A ideia de economia feminista como força motriz de uma transformação fundamental no modo como as sociedades estruturam suas prioridades econômicas e sociais foi debatido na tarde desta quarta-feira (27/11) durante painel realizado no XXIX Congresso do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD). O assunto foi abordado com olhar no contexto latino-americano, marcado por desigualdades de gênero e raça profundamente enraizadas, em que esse modelos de economia feminista desafia os modelos tradicionais ao colocar o cuidado no centro das políticas públicas.
Pesquisadoras do Brasil, Argentina, Colômbia e Uruguai participaram do debate e dialogaram sobre como os sistemas de cuidado podem ser um pilar para uma administração pública mais inclusiva e equitativa, ao mesmo tempo em que enfrentam contradições nos contextos econômicos e políticos da região. Um ponto central do debate foi a necessidade de integrar as políticas de cuidado às estratégias macroeconômicas dos países.
A pesquisadora e diretora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (USP), Luiza Nassif Pires, destacou que, no Brasil, embora avanços como a criação da Secretaria de Cuidados e Família representem um marco, as políticas de gênero ainda enfrentam barreiras estruturais. “Medidas de ajuste fiscal acabam atingindo de forma desproporcional mulheres, pessoas negras e populações vulneráveis”, disse ela. A ausência de preferências orçamentárias voltadas às políticas de cuidado, segundo Luiza, enfraquece a capacidade estatal de promover transformações sociais significativas.
Experiências regionais reforçaram a urgência de tratar o cuidado como um direito social e uma responsabilidade compartilhada. Esse aspecto foi abordado pela pesquisadora uruguaia e diretora do Centro Interdisciplinario de Estudios para el Desarrollo (CIEDUR), Alma Espino, que apresentou o Sistema Nacional de Cuidados como uma referência na América Latina, destacando sua construção participativa e a inclusão de perspectiva de gênero desde sua formulação. Ela alertou para os impactos de políticas de austeridade. Para a pesquisadora, a austeridade é uma vontade política e pode impactar de forma desigual e aprofundar as desigualdades sociais, de gênero e raciais. Alma também apontou que a formalização e o investimento em cuidados não são apenas uma questão de justiça social, mas de estímulo econômico.
Outro aspecto fundamental abordado no debate foi a utilização de dados desagregados e metodologias que revelem as desigualdades invisíveis no trabalho não remunerado. A pesquisadora e professora da Universidad Nacional de Colombia (UNAL), Andrea Paola García Ruiz, compartilhou como o país avançou ao incluir o trabalho de cuidado não remunerado nas contas nacionais por meio da Lei de Economia e Cuidado. Andrea salientou como a inclusão de enfoques interseccionais nos planos estatísticos nacionais e o diálogo contínuo com a sociedade civil têm sido ferramentas essenciais para sustentar as políticas públicas e garantir sua continuidade, independentemente das mudanças políticas.
Professora da Universidad Metropolitana de la Educación y el Trabajo (UMET), Mercedes D’Alessandro, agregou ao debate a importância das iniciativas que conectam economia e justiça social. Ela, que é economista, abordou questões estruturais relacionadas à inclusão de mulheres no mercado de trabalho, orçamento com perspectiva de gênero e a valorização do trabalho de cuidado, reforçando o papel da economia feminista como ferramenta para transformar desigualdades estruturais em oportunidades de desenvolvimento sustentável.
O debate evidenciou que, embora existam avanços significativos na implementação de políticas de cuidado em alguns países, a América Latina ainda enfrenta obstáculos estruturais que limitam seu alcance e impacto. A falta de integração entre as políticas de cuidado e as estratégias macroeconômicas, combinada com fragilidades institucionais e orçamentárias, dificulta a consolidação de sistemas equitativos.
Nesse contexto, a economia feminista poderia oferecer uma lente transformadora para repensar o papel do cuidado como um componente central na economia e na administração pública. Para que esse modelo seja efetivo, seria necessário um compromisso político que vá além de medidas isoladas, buscando incorporar o cuidado como um eixo transversal nas políticas públicas. Como as pesquisadoras enfatizaram, a cooperação regional é um caminho promissor para superar desafios comuns e construir uma sociedade mais justa e inclusiva.
Sobre o Congresso do CLAD
O XXIX Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, realizado entre os dias 26 e 29 de novembro, em Brasília (DF), é promovido pelo Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD) e realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em parceria com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Com 150 horas de atividades na programação, o Congresso contará com mais de 700 participantes, incluindo ministras e ministros de diversos países, secretários de Estado, parlamentares, servidores públicos, sindicalistas e especialistas internacionais. Os debates e sessões têm como objetivo discutir temas como inclusão, democracia e inovação na gestão pública, alinhados às transformações necessárias para tornar o Estado mais eficiente e inclusivo.
Serviço:
XXIX Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública
Data: 26 a 29 de novembro de 2024
Local: Enap - Asa Sul, SPO - Área Especial 2-A, Brasília-DF