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Karoline Ilza

Introdução

A presença de mulheres no serviço público federal brasileiro, especialmente em cargos de liderança e alto prestígio, ainda enfrenta desafios significativos, como evidenciado pelos dados mais recentes. Apesar de avanços em algumas áreas, as disparidades de gênero e raça persistem, refletindo desigualdades históricas e estruturais que limitam a representação equitativa de mulheres, principalmente negras e indígenas, em posições de destaque dentro do setor público federal brasileiro.
Neste artigo, exploramos os desafios que as mulheres – especialmente negras e indígenas – enfrentam para ingressar e progredir no serviço público federal. Os dados que apresentaremos a seguir mostram, por exemplo, que os homens brancos são aqueles a ocuparem os cargos mais altos e estratégicos da administração pública federal brasileira. Embora as mulheres brancas tenham uma presença considerável em certos cargos e ministérios, as mulheres não brancas (negras, indígenas e amarelas) continuam sub-representadas, especialmente em níveis hierárquicos mais altos e em carreiras de maior remuneração e prestígio.

Dados e análises1

A seguir, apresentaremos algumas análises que demonstram as dificuldade de acesso das mulheres no serviço federal brasileiro, a partir de alguns cruzamentos, como: ocupação de cargos comissionados e de natureza especial; presença de mulheres nos Ministérios; Escolaridade; percentual de servidoras concursadas; e presença em carreiras de prestígio do Poder Executivo Federal.

 

Figura 1 – Percentual de ocupação dos cargos de natureza especial por gênero e raça
Figura 1 – Percentual de ocupação dos cargos de natureza especial por gênero e raça

Fonte: SIAPE (DEZ/2024)

 

O gráfico apresentado ilustra a distribuição de gênero e raça nos cargos de natureza especial no serviço civil federal brasileiro. Esses cargos são tipicamente posições de alto nível, com grande responsabilidade e influência, muitas vezes envolvendo funções como secretária(o) executiva(o), diretoria geral e outros2. O gráfico revela disparidades significativas na representação de mulheres e homens, bem como entre diferentes grupos raciais, destacando os desafios enfrentados por mulheres e pessoas não brancas em alcançar esses cargos.

A maior parte dos cargos de natureza especial é ocupada por homens brancos, que representam 62,7% do total. Em contraste, as mulheres brancas ocupam 14,9% desses cargos. A representação de pessoas negras é ainda menor, com homens negros ocupando 10,4% e mulheres negras apenas 9,0%. As pessoas amarelas e indígenas têm uma presença ainda mais baixa, com 1,5% e 1,5%, respectivamente.

Esses dados destacam a existência de barreiras estruturais que dificultam o acesso e a ascensão de mulheres e pessoas não brancas a cargos de natureza especial.

No que diz respeito à presença de mulheres nas carreiras de maior remuneração e prestígio social, quase todas do denominado ‘ciclo de gestão’3, também observamos um padrão de desigualdade de gênero bastante acentuado, conforme quadro abaixo:

 

Tabela 1 – Percentual de servidores por gênero e raça em carreiras de maior remuneração

Tabela 1 – Percentual de servidores por gênero e raça em carreiras de maior remuneração

 Fonte: SIAPE (DEZ/2024)

 

O quadro acima ilustra a distribuição de gênero e raça em diversas carreiras de alto prestígio e remuneração no serviço público federal brasileiro. Ele revela disparidades significativas na representação de mulheres e homens, bem como entre diferentes grupos raciais, destacando os desafios enfrentados por mulheres, especialmente as mulheres negras, indígenas e amarelas, em carreiras que tradicionalmente possuem maior status social e remuneração.

Em todas as carreiras listadas, observa-se uma predominância de homens brancos. Por exemplo, na carreira de Delegado de Polícia Federal, os homens brancos representam 57,0%, enquanto as mulheres brancas ocupam apenas 11,8%. A representação de mulheres negras é ainda menor, com 3,3%, e as mulheres amarelas e indígenas têm uma presença quase insignificante, com 0,3% e 0,0%, respectivamente.

Essa tendência se repete em outras carreiras, como Analista de Comércio Exterior, onde os homens brancos representam 52,3%, e as mulheres brancas, 22,2%. As mulheres negras ocupam apenas 6,5% desses cargos, enquanto as mulheres amarelas e indígenas têm uma representação mínima ou nula.

A carreira de Procurador Federal, que também é altamente prestigiada, mostra uma distribuição semelhante: homens brancos ocupam 45,2% dos cargos, enquanto as mulheres brancas representam 33,1%. As mulheres negras têm uma representação de 7,0%, e as mulheres amarelas e indígenas têm uma presença quase insignificante.

Esses dados destacam a dificuldade de acesso a carreiras de alto prestígio e remuneração no serviço público federal por parte das mulheres. A predominância de homens brancos nessas posições sugere a persistência de desigualdades históricas e sociais do mundo do trabalho que precisam ser enfrentadas através de políticas públicas e iniciativas que promovam a equidade de gênero e raça na administração pública. A divisão sexual do trabalho, que sobrecarrega as mulheres com tarefas domésticas e cuidados, pode reduzir o tempo disponível para sua preparação para carreiras de elite no serviço civil federal, impactando o acesso das mulheres a esses cargos.

Em relação à ocupação de cargos comissionados por nível, observamos também um padrão de desigualdade de gênero, conforme o gráfico abaixo:

 

Figura 2 – Percentual de ocupação dos cargos comissionados por nível, gênero e raça

Figura 2 – Percentual de ocupação dos cargos comissionados por nível, gênero e raça

Fonte: SIAPE (DEZ/2024)

 

O gráfico acima mostra a distribuição de gênero e raça em diferentes níveis hierárquicos dos cargos comissionados no serviço civil federal brasileiro. Ele revela disparidades significativas na representação de mulheres e homens, bem como entre diferentes grupos raciais, destacando os desafios enfrentados pelas mulheres, especialmente as mulheres negras, indígenas e amarelas, na ocupação de cargos de maior prestígio e responsabilidade.

Nos níveis mais baixos (5 e 6), as mulheres brancas representam 23,9% dos cargos, enquanto as mulheres negras ocupam 13,6%. A representação de mulheres amarelas e indígenas é significativamente menor, com 1,1% e 0,1%, respectivamente. Essa tendência de sub-representação de mulheres não brancas persiste em todos os níveis hierárquicos, com porcentagens mínimas ou até mesmo nulas em alguns casos.

À medida que se avança para níveis mais altos, a disparidade de gênero e raça torna-se ainda mais evidente. A partir do nível 13 e 14, cargos que começam a assumir uma natureza gerencial, a presença de mulheres diminui acentuadamente, o que a literatura especializada denomina como ‘teto de vidro’.
No nível 17, por exemplo, os homens brancos ocupam 53,7% dos cargos, enquanto as mulheres negras representam apenas 8,1%. As mulheres amarelas e indígenas estão completamente ausentes nesse nível, com 0% de representação.

Esses dados destacam a existência de barreiras estruturais que dificultam o acesso e a ascensão de mulheres, particularmente as não brancas, a posições de liderança no serviço público federal.

No que se refere à presença de mulheres nos Ministérios, observamos também uma variação importante do ponto de vista de gênero, conforme se depreende do gráfico abaixo:

Figura 3 – Percentual de mulheres por ministério4

Figura 3 – Percentual de mulheres por ministério

 Fonte: SIAPE (DEZ/2024)

 

O gráfico acima ilustra o percentual de mulheres em diversos ministérios do serviço civil federal brasileiro, destacando a representatividade feminina em diferentes áreas de atuação. A análise dos dados revela avanços significativos em alguns setores, mas também aponta para disparidades acentuadas que refletem desafios persistentes quanto à presença de mulheres nas diversas áreas do serviço público.

O Ministério das Mulheres lidera com um percentual impressionante de 88,6% de mulheres, refletindo o foco específico desse ministério em questões de gênero e igualdade. Outros ministérios com alta representatividade feminina incluem o Ministério da Igualdade Racial (67,1%), o Ministério da Educação (60,5%), e o Ministério da Saúde (60,3%). Esses dados sugerem que há uma presença maior de mulheres em setores de políticas públicas dedicados aos Cuidados, refletindo, conforme já apontado pela literatura, em uma essencialização na expectativa do exercício do papel de gênero.

Em contraste, ministérios tradicionalmente associados a áreas como defesa, transportes e relações exteriores apresentam percentuais mais baixos de representação feminina. O Ministério da Defesa tem 46,3% de mulheres, o Ministério das Relações Exteriores 38,9%, e o Ministério dos Transportes apenas 31,3%. Esses dados refletem estereótipos de gênero que ainda persistem em setores considerados mais "masculinos".

A Presidência da República e a Vice-Presidência da República apresentam percentuais de 31,7% e 27,2%, respectivamente, indicando que, mesmo nos mais altos escalões do governo, a representação feminina ainda está longe de ser equitativa.

Em relação ao percentual de servidores concursados por gênero e raça, observamos também um viés de gênero e raça, conforme o gráfico abaixo:

 

Figura 4 – Percentual de servidores concursados por gênero e raça

Figura 4 – Percentual de servidores concursados por gênero e raça

Fonte: SIAPE (DEZ/2024)

 

O gráfico acima demonstra a distribuição de gênero e raça entre os servidores concursados no serviço público federal brasileiro. Ele revela disparidades significativas na representação de mulheres e homens, bem como entre diferentes grupos raciais, destacando os desafios enfrentados por mulheres e pessoas não brancas em alcançar posições por meio de concursos públicos.

Os homens brancos representam 32,3% dos servidores concursados, enquanto as mulheres brancas representam 27,0%. A representação de pessoas negras é menor, com homens negros ocupando 22,9% e mulheres negras 15,8%. A presença de pessoas amarelas e indígenas é ainda mais reduzida, com 0,9% e 0,8% para homens e mulheres amarelas, respectivamente, e 0,1% para mulheres e homens indígenas.

Esses dados destacam a existência de barreiras estruturais que dificultam o acesso e a ascensão de mulheres e pessoas não brancas a posições no serviço público por meio de concursos públicos. A predominância de pessoas brancas, especialmente homens brancos, sugere a persistência de desigualdades históricas e sociais que precisam ser enfrentadas por meio de políticas públicas e iniciativas que promovam a equidade de gênero e raça no ambiente de trabalho.

E, por fim, no que se refere à escolaridade dos servidores por gênero e raça, também observamos um viés de desigualdade, conforme gráfico abaixo:

 

Figura 5 – Percentual de servidores por raça, gênero e escolaridade5

Figura 5 – Percentual de servidores por raça, gênero e escolaridade

Fonte: Siape (DEZ/2024)

 

A tabela acima ilustra a distribuição de servidores públicos por raça e gênero desagregada por faixa de escolaridade. Os dados mostram um cenário interessante: as mulheres brancas possuem um nível de escolaridade mais alto do que os homens brancos, como, por exemplo, dentre aqueles que possuem o título de “Doutor/a”, as mulheres brancas representam o percentual de 40% e os homens brancos o de 32%. Ao olharmos para as pessoas negras no grupo daqueles servidores que possuem Doutorado, também observamos uma maior escolaridade das mulheres negras comparadas aos homens negros, como, por exemplo, um porcentual de 15% de doutoras em comparação 12% de homens negros.

Em outras palavras, os dados sugerem que, do ponto de vista da educação formal, as mulheres possuem uma maior qualificação comparando-se aos homens. No entanto, como as análises anteriores mostraram, essa alta qualificação não se reverte necessariamente na presença/ocupação de mulheres em cargos de liderança e de carreiras de prestígio, indicado que há outras barreiras que não permitem o acesso dessas servidoras.

 

Conclusão

Os dados analisados evidenciam que, embora haja progressos na representação feminina no serviço civil federal brasileiro, ainda existem desafios significativos a serem superados. A predominância de homens brancos em cargos de natureza especial, carreiras de alto prestígio e níveis hierárquicos superiores reflete uma estrutura que privilegia determinados grupos em detrimento de outros.

Para promover um ambiente de trabalho inclusivo e equitativo, é importante a implementação de políticas que não apenas incentivem a participação de mulheres, mas também garantam que mulheres negras, indígenas e amarelas tenham acesso igualitário a oportunidades de crescimento e liderança. A diversidade no serviço público não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma necessidade para que as políticas públicas reflitam as necessidades e perspectivas de toda a população brasileira, aumentando, inclusive, a própria legitimidade do Estado. Dessa forma, políticas públicas que busquem aumentar a presença de mulheres, especialmente não-brancas, no acesso a cargos de maior poder de decisão e prestígio social podem ser importantes a fim da promoção de um serviço civil federal brasileiro menos desigual.

 

* Coordenador-Geral de Ciência de Dados da Diretoria de Altos Estudos da Enap.
** Coordenador-Geral de Pesquisa da Diretoria de Altos Estudos da Enap.
A opinião dos autores nesse texto não representa necessariamente a posição da instituição na qual atuam.

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1- Os dados analisados nesse artigo são oriundos do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (SIAPE) do mês de dezembro de 2024.
2- Ocupantes de Cargos de Natureza Especial — Portal de Compras do Governo Federal
3- Apesar de não haver definição legal para distinguir carreira entre Ciclo de Gestão e as demais, esse nome fantasia é usado pelos membros dessas carreiras em diversas discussões sobre o serviço público federal brasileiro. Compõem o grupo as carreiras de: Auditor Fiscal de Finanças e Controle; Especialista em Política Pública e Gestão Governamental; Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA; Analista de Infraestrutura; Analista de Comércio Exterior; Analista de Planejamento e Orçamento.
4- Foram consideradas apenas as pessoas que estão em exercício nos ministérios, sem considerar as vinculadas, como fundações e autarquias. Nessa figura se considerou além dos servidores estatutários, temporários e outros tipos de vínculos.
5- A fim de não sobrevalorizar a quantidade de Doutores, retiramos dessa análise os servidores das carreiras de magistério superior e ensino básico técnico e tecnológico.

 

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