Foto: Jamil Ghani/Enap-Ascom
A partir deste mês, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) começa a executar as primeiras ações para ampliar a participação de profissionais negros no serviço público e incentivar a ascensão desse segmento a cargos de liderança, conforme previsto no projeto Formação de Iniciativas Antirracistas (FIAR): tecendo o caminho para a igualdade racial. Do total estimado de servidores públicos federais em exercício (602 mil), apenas 36,88% (222 mil) são pretos ou pardos.
Com as dependências da Escola lotada de personalidades e representantes da sociedade civil emocionados, os detalhes sobre o funcionamento do FIAR e seus objetivos foram apresentados nesta quinta-feira (4) à noite pela presidenta da Enap, Betânia Lemos, e pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Também participaram do lançamento, a ministra da Gestão e da Inovação de Serviços Públicos, Esther Dweck, e o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.
O novo programa do governo federal prevê iniciativas de curto, médio e longo prazos como turmas exclusivas de liderança para mulheres negras, ampliação da reserva de vagas para gestores negros ou pardos, encontros e pesquisa de avaliação da lei de cotas nos concursos públicos. A cerimônia teve transmissão ao vivo pelo YouTube e contou com a aula magna da promotora de justiça do Ministério Público da Bahia, Lívia Sant'Anna Vaz, sobre a “A questão racial no Brasil: racismo e o caminho para a igualdade”.
Ao apresentar o cronograma do FIAR, Betânia Lemos destacou que a Escola abraçou a missão de criar programas que promovam a diversidade e a inclusão para impulsionar a presença e a liderança de profissionais negros na administração pública brasileira. “O FIAR foi construído a muitas mãos da Enap, do MIR e do MGI. Só através da diversidade é que o serviço público vai ser representativo da sociedade e essa pluralidade será refletida na prestação de serviço para a população. Com o programa, queremos transformar o Estado por meio da formação das pessoas em políticas antirracistas”, explicou.
Entre as ações de destaque estão a turma exclusiva de liderança premium para negros e o curso sobre metodologias para transversalidade de gênero e raça. Confira todos os projetos no final do texto.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reforçou a importância da parceria com a Enap para a construção do programa. “Eu adoro essa escola. Quando entro aqui fico encantada. Sou professora. É importante estar aqui criando, reconhecendo laços, E ao lado de várias mulheres negras muito importantes. Acho que feliz é o país que dedica tempo para pensar na educação. E esse nome poético (fiar) diz muito sobre as nossas pretensões no setor público. Esse tecido que trata o programa é a educação antirracista essencial para democracia. Que a promoção da igualdade racial seja política de Estado e não de governo”, disse.
A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, revelou que o governo está preparando a minuta do novo projeto de lei sobre cotas raciais. A Lei 12.990/2014 completa 10 anos e vai expirar. “Estamos trabalhando para não deixar vácuo na legislação, pois vamos abrir diversos concursos e queremos garantir a inclusão de pessoas negras no serviço público e em cargos altos para ter esses olhares, para fazer outras pessoas verem a importância do assunto nas políticas públicas”.
Dweck disse ainda que o Observatório de Pessoal do MGI deve ser atualizado este mês com dados sobre raça em cargos de liderança e ajudará na avaliação permanente e redirecionamento das iniciativas. “É uma luta diária de conscientização e de formação para a administração pública: mudar de forma permanente e ser antirracista, antimachista, anticapacitista”.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, lembrou que não é possível combater o racismo sem conhecer a sua relação com o Estado. “Somos o que somos por causa do Estado brasileiro. O FIAR nos dá oportunidade de fazer essa relação tão difícil de ser feita. É preciso que a administração entenda de raça e quem estuda raça entenda de administração pública e suas peculiaridades. A luta antirracista exige um aperfeiçoamenteo teórico, entender o que é dito sem ser dito. Hoje se inaugura um novo capítulo que faz de fato a nossa luta. A nossa possibilidade de superar o racismo passa pela construção de um novo modelo de administração pública no Brasil, sem o qual isso não será possível”, defendeu.
Aula Magna
Após a assinatura do acordo e apresentação das ações do FIAR, a promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, Lívia Sant'Anna Vaz, proferiu a aula “A questão racial no Brasil: racismo e o caminho para a igualdade”. Considerada uma das cem pessoas de descendência africana mais influentes do mundo, pela edição Lei&Justiça, a promotora encantou a plateia com uma narrativa realista baseada em fatos históricos que mostram os impactos da sociedade escravocrata até os dias atuais.
Para Lívia, “tecer só faz sentido se for coletivamente. Assim como as políticas públicas, a Justiça precisa ser construída coletivamente. Nós não queremos uma Justiça de olhos fechados. Precisamos de um Estado que esteja de olhos abertos para corrigir as injustiças no nosso país. Fiar também significa confiar, podemos esperançar, construir essa igualdade no nosso país”, ressaltou Lívia Sant´Anna.
Metas do programa Formação de Iniciativas Antirracistas (FIAR): tecendo o caminho para a igualdade racial
- Acelerar a liderança de pessoas negras na administração pública;
- Desenvolver capacidades de atuação de servidores no enfrentamento ao racismo na administração pública federal;
- Inserir a transversalidade de raça nos programas de capacitação e formação de servidores;
- Realizar pesquisas e produção de dados para fortalecer as agendas de combate às desigualdades de gênero e raça no Brasil.
Primeiras ações previstas no Fiar |
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Curto prazo |
- Resolução da Enap para reserva de vagas (cotas) nos cursos voltados para altos executivos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento Profissional; - Curso de liderança premium: turma exclusiva para pessoas negras; - Curso “Transversalidade de Gênero e Raça no Orçamento”. |
Médio prazo |
- Curso para banca de heteroidentificação (on-line); - Curso sob medida para aplicação das políticas de igualdade racial nos municípios (on-line); - Oficina para gestão de pessoas antirracistas. |
Longo prazo |
- Trilha de aprendizagem para igualdade racial; - Metodologia para transversalidade de gênero e raça nas políticas públicas; - Pesquisa de avaliação da Lei de Cotas nos concursos públicos. |