Pesquisa inédita cruzou dados de 5.570 municípios e os classificou em sete áreas distintas de acordo com o risco para a Covid-19

Cidades brasileiras com baixo desempenho em indicadores socioeconômicos são mais afetadas pela Covid-19. O tamanho da população dos municípios e a distância em relação às capitais também impactam no avanço da doença: cidades mais populosas e mais próximas das grandes cidades tendem a apresentar pior desempenho em termos de casos e óbitos pela doença. A conclusão é de pesquisa que acaba de ser publicada pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) no Caderno Cátedras Covid, que reúne artigos com estudos específicos sobre a pandemia no País.

O estudo cruzou informações de casos e óbitos por Covid-19 nos 5.570 municípios brasileiros com indicadores socioeconômicos e territoriais, como renda domiciliar per capita, densidade dos domicílios, vulnerabilidade à pobreza e infraestrutura de água e esgoto (veja no infográfico abaixo). O período analisado foi de 25 de fevereiro a 31 de julho de 2020. O conjunto dos dados analisados são denominados de ‘comorbidades sociais’ na pesquisa – utilizando um termo herdado da área de saúde para fazer referência à sobreposição (ou acúmulo) de questões que tornam determinados locais mais suscetíveis às consequências da pandemia (especialmente no que se refere à taxa de óbitos por 100 mil habitantes).

O tratamento dos dados resultou na divisão das cidades em sete agrupamentos (clusters), utilizando uma técnica estatística denominada k-média: os elementos mais similares foram colocados juntos e separados o máximo possível de outros grupos. Os clusters desconsideram os limites territoriais oficiais e propõem outros desenhos, a partir do tratamento estatístico das variáveis e indicadores analisados. “Isso evidencia que a pandemia possui uma geografia própria, desenha seus próprios caminhos e contornos, cujas explicitações podem contribuir para nossas reflexões e análises”, esclarecem a autora e as coautoras da pesquisa, Janaina Lopes Pereira Peres, Camila Camargo, Lara Laranja e Luciana Guedes da Silva.

O infográfico apresentado a seguir evidencia o impacto da Covid-19 em cada um dos clusters e resume o desempenho de cada área, sob a ótica das desigualdades e vulnerabilidades socioeconômicas. “Se há algum esboço de consenso acerca da pandemia de Covid-19 é que ela vem apenas revelar, agravar ou aprofundar uma crise a que já estamos expostos há muitos anos e que sua tragédia seria ainda maior sem os sistemas sociais de proteção vigentes no Brasil”, destaca o artigo.

INFOGRÁFICOInfografico comorbidades 20072021

O estudo deixa claro que os problemas apontados são complexos e aprofundados pela pandemia de Covid-19, além de exigirem das autoridades, dos gestores públicos, da comunidade acadêmica e da sociedade em geral o esforço de reinvenção individual e coletiva a partir dos territórios, em escala microlocal. “Não existe resposta fácil quando o assunto é Covid-19 e há inúmeros aspectos e especificidades que distinguem, mas também aproximam, os 5.570 municípios brasileiros, atingidos pela pandemia de forma assimétrica”, ponderam as autoras.

“A pesquisa é um retrato do impacto das desigualdades socioeconômicas no avanço da pandemia no País. Um retrato que representa um passado recente, mas aponta para o futuro, porque por mais que o cenário da doença tenha se alterado nos últimos meses, os resultados do estudo reúnem conhecimento suficiente para orientar a definição de estratégias e a tomada de decisões no setor público”, complementa Diogo Costa, presidente da Enap.

Renda domiciliar per capita e coeficiente de Gini
O Brasil tem um alto percentual de habitantes vulneráveis à pobreza: 44% da população tem renda domiciliar inferior a R$ 255 por pessoa. Um dado que chama a atenção no estudo é que 134 cidades brasileiras têm mais de 80% da população nessa condição. 

Contudo, a pesquisa mostra que não é a renda – por si só – que interfere diretamente na disseminação da Covid-19, e sim a existência conjunta de vulnerabilidades, como a desigualdade. Quando observadas as médias de casos confirmados e de óbitos, é possível perceber que as maiores taxas da doença são também as dos municípios com alto coeficiente de Gini (mais desiguais). Um exemplo típico desse achado pode ser constatado nos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, que são os mais populosos do Brasil. O rendimento médio de cada habitante é o maior do País (R$ 1.504), porém esses recursos não são divididos de maneira equitativa entre a população, o que faz com que o coeficiente de Gini também seja o maior de todos.

Densidade populacional, IDH-M e infraestrutura
A densidade dos domicílios pode dificultar ou mesmo impossibilitar, em alguns casos, o atendimento às recomendações de isolamento e distanciamento social. No Brasil, pouco mais de 25% da população é composta por casas com densidade alta: mais de duas pessoas por dormitório. Nos municípios com população média aproximada de 27 mil habitantes, esse percentual chega a 50% de domicílios com quartos compartilhados por mais de duas pessoas e esse dado parece se relacionar com a situação da pandemia. Esses são os locais com maior taxa de casos e com a terceira pior posição no ranking de óbitos. O melhor cenário pode ser observado nos municípios que têm o menor contingente populacional (cerca de 7 mil habitantes): baixo registro de casos e de mortes por Covid.

Em relação ao IDH-M, que avalia educação, longevidade e renda, o agrupamento de municípios mais vulnerável também é o que congrega os que têm população média de 27 mil habitantes. Essas cidades ainda se destacam negativamente no quesito infraestrutura, porque mais de 37% têm abastecimento de água e tratamento de esgoto inadequados (enquanto a média nacional é 9%).

Auxílio emergencial e associação com a doença
A pesquisa encontrou relação direta entre auxílio emergencial e incidência da Covid-19: quanto maior a quantidade e o valor médio de auxílios concedidos, maiores também são as taxas de casos e óbitos por 100 mil habitantes. Como os dois indicadores são de vulnerabilidade, o resultado mostra que a falta de recursos impacta na maior difusão da doença e dos óbitos. Isso ocorre principalmente no cluster que reúne os municípios mais populosos do Brasil e também com maior grau de comorbidades sociais.

Hipervulnerabilização desencadeada pela Covid-19
Outro achado da pesquisa é que a pandemia desencadeou um duplo processo de hipervulnerabilização: social e territorial. Veja neste quadro:

quadro hipervulnerabilizacao2

(*) Janaina Lopes Pereira Peres, Camila Fracaro Camargo, Lara Silva Laranja e Luciana Guedes da Silva são pesquisadoras da Universidade de Brasília (UnB). Elas integram o CommonData, um coletivo científico para o desenvolvimento. O banco de dados completo da pesquisa está disponível de forma aberta, livre e gratuita no link a seguir: https://github.com/common-data/enap_comorbidades

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