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“Queremos cada vez mais incorporar a diversidade e fazê-la parte daquilo que somos”, afirma diretor de desenvolvimento profissional
Bráulio Figueiredo Alves da Silva fala sobre os desafios envolvidos na tarefa de interiorização da Enap e como a inovação em educação e capacitação tem papel fundamental nesse cenário

No comando de uma equipe que envolve o trabalho de 62 pessoas, o diretor de desenvolvimento profissional da Enap, Bráulio Figueiredo Alves da Silva, analisa como os processos de inovação em ensino e formação precisam passar por alguns filtros. Seu olhar criterioso não é fruto do acaso, a Diretoria de Desenvolvimento Profissional (DDPro) tem buscado cada vez mais renovar e fortalecer seus processos de capacitação, disseminação da educação e promoção do acesso ao conhecimento. Um esforço que vai muito além dos já complexos desafios geográficos que envolvem um país do tamanho do Brasil. No bojo desse processo de interiorização, a DDPro busca a inclusão e a diversidade como valores essenciais para o que a Enap entrega como serviço à sociedade.

“Sempre pensando na diversidade e inclusão como um valor fundamental que podemos oferecer como instituição de ensino”, diz. O diretor se posiciona de forma clara a respeito do papel do Estado no cenário de gestão da sociedade. “O ente privado tem seus interesses próprios, que são legítimos. A Enap, por sua vez, tem como um dos pilares a democratização da educação de maneira gratuita e inclusiva”, afirma. Bráulio é mais um entrevistado da série especial Enap Líderes que Refletem, uma coletânea de conversas com as lideranças da maior escola de governo do país, que são alicerces e promotores da transformação.

Como o trabalho da DDPro se insere no contexto da Enap?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: A DDPro é um elo de capacitação voltado para o desenvolvimento profissional baseado em diversas competências. Sejam elas transversais, relacionadas à liderança ou aquelas que a Enap identifica como fundamentais para a formação de um gestor ou servidor público de alto padrão. Nós construímos programas de formação e capacitação baseados nessas competências e nos planos de desenvolvimento pessoal que os próprios órgãos demandam de seus servidores. Nesse sentido, a DDPro é uma área da Enap voltada à formação e desenvolvimento profissional dos servidores públicos, mas que também entrega valor para a sociedade como um todo. Quando falamos de servidores, não nos restringimos apenas aos servidores federais. Desde o ano passado, temos uma diretriz no sentido de alcançar cada vez mais a formação de servidores das esferas estadual, municipal e distrital. Há um entendimento claro de que não há impedimentos que possam limitar nossa ação nesse campo e, por isso, ampliamos o alcance do nosso trabalho de formação e capacitação. Nosso desafio é capacitá-los para melhor atender às necessidades da sociedade e, ao mesmo tempo, mudar uma visão errônea de parte dessa sociedade de que o servidor público é ineficiente e ao mesmo tempo custoso para o Estado. Sabemos que o servidor público entrega muito para a sociedade. Ele é responsável por manter o Estado funcionando e até por zelar pela democracia, como pudemos observar recentemente. Olhando para esse contexto, vemos o papel importante da DDPro e da Enap. Conseguimos agir porque as outras áreas estão trabalhando de forma muito articulada aqui na escola.

Como a DDPro atua para cumprir essas tarefas? Quais são as estratégias?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Lançamos mão de toda a experiência que acumulamos ao longo do tempo para chegar nos servidores de forma efetiva. Recentemente, adicionamos muitos elementos tecnológicos que foram aprimorados no contexto da pandemia e que permanecem. Assim, temos criado e desenvolvido muitos programas baseados no ensino a distância, aulas virtuais e capacitações remotas. Além disso, a Enap desenvolveu uma plataforma que é uma verdadeira joia, que é a Escola Virtual de Governo (EV.G). A diretora executiva da escola, Natalia Teles, explicou bastante sobre essa plataforma na entrevista que concedeu para esta mesma série. A EV.G é a maior ferramenta que vejo no Brasil para democratização do ensino, da capacitação e da formação. Não apenas para servidores, mas para a sociedade como um todo. Temos mais de 600 cursos gratuitos atualmente na plataforma e que podem ser acessados por qualquer pessoa. Isso, por si só, é um instrumento de democratização da educação muito relevante nesse contexto de massificação do ensino, da disseminação da informação e do uso de tecnologias e produção de conteúdos de qualidade.

Quais os desafios que essa massificação apresenta para uma escola que precisa formular cursos, sobretudo aqueles voltados ao formato de ensino a distância?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Hoje, dentro do mundo virtual, há situações que se apresentam e oferecem conteúdos educacionais que contêm viés político e ou ideológico. Mesmo as ferramentas de inteligência artificial não são imunes a isso. Aliás, um dos grandes desafios éticos com respeito ao uso da inteligência artificial é conhecer e controlar esse viés. Aqui, na Enap, temos essa preocupação. Ou seja, produzir conteúdos que não sejam tendenciosos deste ou daquele lado político e ao mesmo tempo que sejam de qualidade.

Como fazer isso?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: O grande desafio é analisar um conteúdo pensado e elaborado por um professor capacitado, que responda a uma determinada temática, e transformar aquele conteúdo em algo compreensível e acessível ao público a que se destina. Se pensamos numa escola que é aberta para todos, como é a Enap, não é possível pensar num material focado especificamente para um único estrato da sociedade. Temos de produzir conteúdos que façam sentido a diferentes segmentos. Aí surge um trabalho que leva em consideração a linguagem, a forma e a maneira como será transmitido. Entram nessa dinâmica também questões de acessibilidade e das diferentes realidades de um país de proporções continentais, com realidades sociais e econômicas muito diferentes. Por exemplo, temos uma preocupação em tornar todo o material de vídeo disponível em libras, com legendas e com todos os mecanismos que possam facilitar o acesso e romper barreiras de acessibilidade. É aí que entra o gerenciamento com a questão ideológica, que não é simples. Fazemos isso por meio de uma equipe de controle de qualidade, que atua dentro da DDPro. Outro instrumento fundamental é a escuta. Tratamos com muita seriedade e consideração os retornos que recebemos, sejam de estudantes, sejam de professores, sejam de pessoas que de alguma forma tiveram contato com nossos conteúdos e que fizeram comentários. Essas contribuições são analisadas e acatadas, quando pertinentes. Tudo é verificado e avaliado e, se houver um entendimento de que há vieses, esse conteúdo será ajustado ou até mesmo suspenso. Ele pode ser reinserido após modificações ou, se for o caso, descontinuado permanentemente. Temos esse zelo e essa preocupação e isso é percebido nas entregas que fazemos.

Você falou sobre os desafios da diversidade no sentido da elaboração. Como isso funciona no planejamento?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Isso se materializa por meio de muitas abordagens que usamos muito antes de o professor entrar pela porta da sala de aula ou no ambiente virtual de ensino. Por exemplo, neste momento, estamos trabalhando no sentido de adicionar professores indígenas ao nosso banco de colaboradores. Essa é uma ação de democratização e que busca aumentar a diversidade de perspectivas sobre temas importantes para a sociedade. Queremos incorporar diferentes grupos sociais, diferentes singularidades, e colocá-los em nosso corpo docente para ministrar aulas, nos ajudar a pensar conteúdos ou coordenar ações específicas, como a realização de eventos. Já fizemos e temos feito esse trabalho com um olhar voltado às questões raciais. Queremos intensificar esse trabalho porque entendemos que isso é primordial para efetivamente construirmos um Estado mais democrático e justo. Por isso, investimos muito na diversidade e inclusão. Temos professores com deficiência e tê-los conosco é muito importante. Não abrimos mão disso e nosso objetivo é atrair novos quadros, sempre pensando na diversidade como um trunfo e algo muito especial que podemos oferecer como instituição de ensino com caráter inclusivo. Queremos cada vez mais incorporar a diversidade e fazê-la parte daquilo que somos.

É possível estender essa lógica de diversidade em outros processos do planejamento?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Uma estratégia para alcançar cada vez mais essa democratização da educação é a EV.G. Porém, não só isso. Aqui na DDPro temos um catálogo abrangente de cursos síncronos. São 82 cursos com mais de 400 turmas todos os anos. Essa é uma entrega tradicional da Enap e continua sendo de extrema importância. São turmas remotas, mas que trabalham muito com base na interação dos alunos com professores. Neles, buscamos incorporar uma composição heterogênea dos alunos com recortes territoriais, raciais, pessoas com deficiência e de gênero. Temos essa preocupação de levar a diversidade para dentro das turmas, não apenas por meio do corpo docente. No próximo ano, vamos lançar o projeto Enap Aqui, onde levaremos as estruturas, experiências e o conhecimento da Enap para diferentes localidades. É um projeto construído em parceria com as escolas de governo nos estados. Vamos capacitar servidores estaduais que poderão agir como agentes de transformação do Estado. Temos toda uma preocupação em, cada vez mais, capilarizar a Enap e levar aquilo que oferecemos pelo território nacional. A disseminação de nossas capacidades e a interiorização da presença da Enap estão na nossa pauta de prioridades e são questões bastante importantes.

A Enap trabalha muito com a ideia de capacitação de excelência para o serviço público. Como você enxerga essa ideia um pouco pejorativa que o senso comum, às vezes, faz sobre o funcionário público?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Penso que esse embate com o servidor, em parte, vem dessa concepção mal compreendida de Estado mínimo. A ideia de que o Estado é pesado, que gasta mal seus recursos e que deveríamos enxugá-lo e deixar as coisas acontecerem por meio da iniciativa privada. Sabemos que não é tão simples assim. Precisamos do Estado para manter de uma certa maneira elementos centrais de uma organização social. Por exemplo: pautar a educação, pautar políticas públicas e responder às demandas da sociedade, sobretudo dos grupos mais vulneráveis e necessitados. Não se pode delegar essas prioridades à iniciativa privada integralmente. O Estado é o grande vetor que direciona os recursos, o atendimento das demandas e a formulação de políticas públicas. O ente privado tem seus interesses próprios, que são legítimos, mas que podem afetar a entrega final dos serviços e por isso não há como decisões assim estarem nas mãos exclusivamente da iniciativa privada. Então, essa visão sobre o servidor é, em parte, uma má concepção de um Estado liberal mínimo que deveria substituir o Estado atual e que isso, por si só, redundaria em eficiência. Considero uma falta de compreensão a respeito de qual é o papel do Estado. O mercado não o substitui. Ele tem suas próprias limitações e algumas de suas graves falhas são amplamente discutidas na literatura especializada, por exemplo.

Você falou sobre o projeto Enap Aqui, o que mais está no horizonte da DDPro?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: A EV.G é uma plataforma consagrada e fundamental atualmente no escopo daquilo que a Enap quer oferecer e alcançar. Por outro lado, sabemos que ela precisa evoluir e creio que um dos caminhos é a incorporação de inteligência artificial e de novas tecnologias educacionais na EV.G para potencializar o uso desse conteúdo que hoje existe na plataforma. Parte dessa tarefa já está sendo projetada dentro da DDPro. Temos um projeto de desenvolvimento do que chamamos de trilhas de aprendizagem, que são conjuntos de objetos digitais de aprendizagem organizados por tema e que o usuário pode percorrer de diferentes maneiras para incrementar seu estudo. É uma espécie de curadoria de materiais e conteúdos relacionados a um determinado tema ou competência. Isso já existia na Enap, mas construímos, nesta gestão, esse formato dentro da EV.G. Num sentido mais amplo, a DDPro busca modernizar os serviços e ofertas de capacitação que hoje existem e são promovidos pela Enap. Os formatos dos cursos que temos na Enap já são bem diferentes dos formatos tradicionais do professor numa sala de aula. Incorporamos vários formatos que transformaram tudo isso e dinamizaram essa relação. Temos formatos que permitem outros tipos de interação no ambiente de aula. Porém, apesar da incorporação de tantas tecnologias que podem ser usadas em ambientes educacionais, e elas têm surgido cada vez mais rapidamente, precisamos sempre compreender com bastante cautela como incorporar tudo isso para potencializar nossas competências e oferecer conteúdo de excelência e qualidade aos nossos alunos.

Você defende um certo cuidado com a inovação, é isso? A inovação virou um fetiche? Como a DDPro pratica inovação?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Antes de mais nada, sou um defensor da inovação e acho que ela tem de ser estimulada. Porém, entendo que alguns conceitos acabam capturados e se transformam de fato em um modismo. É inevitável falar atualmente que, em diferentes áreas da vida, estamos diante de algo inovador. Podemos absorver isso de forma passiva, ou seja, sem refletir a respeito, sem criticar ou questionar. Um processo em que há apenas uma incorporação da inovação. Por outro lado, há um caminho em que a absorção da inovação é ativa e envolve um processo de reflexão e crítica a respeito do seu significado e dos seus impactos. A inovação é inevitável. Ela é parte do contexto atual em que vivemos. Sempre vamos nos deparar com ela como um processo inevitável no nosso dia a dia. É importante a gente pensar que se entrarmos nesse processo de forma ativa a chance de obtermos resultados positivos aumenta. Se soubermos o que queremos com aquilo ou pelo menos tentarmos participar conscientemente de onde queremos chegar, é possível visualizar um resultado positivo. Caso contrário, pode haver impactos perigosos, não esperados. É o caso do viés, que falei anteriormente. É importante reconhecer o risco de utilizar uma ferramenta ou tecnologia, como a inteligência artificial, que pode direcionar nossa forma de pensar e até mesmo de agir. Por isso, é fundamental compreender os caminhos que essa inteligência percorre, as fontes das quais ela se alimenta. Os vieses já são percebidos e geram problemas reais com consequências potencialmente desastrosas.

Esse processo de abordagem ativa da inovação que você cita poderia ser um obstáculo à própria inovação?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: É preciso ser crítico com relação à inovação, mas não no sentido de rejeitá-la. Temos de ser criteriosos com a inovação porque ela pode ter um viés, pode ter uma consequência não esperada. A grande maioria das pessoas é receptora da inovação, mas quem está do outro lado? O emissor tem um domínio maior sobre aquilo. Talvez o próprio formato daquilo que surge por meio da inovação pode induzir o sujeito a um tipo de comportamento ou leitura da realidade. Há um risco inegável associado à disseminação da inovação no contexto atual. A questão das fakenews, por exemplo, é um problema complexo que deriva de inovações: celulares, aplicativos e internet de alta velocidade para divulgação de informação em massa. É papel do líder refletir sobre isso e propor essas discussões. Sou totalmente favorável à inovação. A potência do Brasil na produção de alimentos, por exemplo, é fruto da inovação, da adoção de tecnologias que impactaram a forma de se produzir em grande escala. Daí a necessidade de se buscar o equilíbrio. A inovação não é ruim, desde que ela seja empregada com a devida reflexão. No mundo digital, o potencial é maior.

Como você enxerga isso no contexto do governo?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: A inovação no serviço público trouxe o governo digital. Isso é uma revolução. Imaginar a quantidade de “papel” que circulava, a morosidade, e as necessidades de deslocamento associadas a todos os processos, por mais simples que fossem, é algo que nem conseguimos mais considerar plausíveis hoje. Porém, era o padrão. Hoje, tudo isso está digitalizado e redundou em mais acesso e dinamismo. Uma das formações do projeto Enap Aqui é justamente em governo e transformação digital, que estamos levando para estados e municípios. Diz respeito a como o servidor pode absorver essas tecnologias e como isso pode potencializar a entrega de serviços. Então, quando se trata de inovação, nem tudo é deepfake, nem tudo é fakenews. Há uma rede de benefícios associada a todo esse processo de inovação e a educação é um vetor crucial para um serviço público melhor e de mais qualidade.

Qual motivação pessoal você traz na sua liderança a frente da DDPro?
Bráulio Figueiredo Alves da Silva: Tenho um sentimento de gratidão e um desejo genuíno de retribuir para a sociedade aquilo que foi a essência da minha formação. Estudei em escola pública, me graduei em universidade pública e tive a oportunidade de desenvolver pesquisas no exterior com bolsas de estudo de instituições públicas. Quero retribuir tudo isso. Estar na Enap e contribuir na construção do que temos feito aqui é uma das formas de retribuição que sempre desejei. Meu trabalho como professor universitário reflete um pouco esse espírito de servidor público e estar aqui, à frente da DDPro, participando do que é a Enap e do papel que ela tem na transformação do Estado, também consolida essa minha missão. Destaco aqui o meu agradecimento e satisfação em atuar com profissionais brilhantes, em particular, os coordenadores gerais e toda equipe que faz da DDPro e da Enap uma instituição tão importante para a sociedade.

Xis Ataídes
“Se há uma inteligência artificial que está o tempo todo a nos conduzir é fundamental compreender os caminhos que essa inteligência percorre, as fontes das quais ela se alimenta. Os vieses já são percebidos e geram problemas reais com consequências potencialmente desastrosas”