A tecnologia está tão arraigada no cotidiano que, na maioria das vezes, não é possível perceber a repetição de preconceitos e o reforço de discriminações que são levadas do mundo real para o digital. Para propor uma reflexão sobre transformação digital e racismo algorítmico, o Fronteiras e Tendências - novos rumos (Frontend) retomou suas atividades com foco neste debate com a especialista, Lisiane Lemos, secretária Extraordinária de Inclusão Digital e Apoio às Políticas de Equidade do Rio Grande do Sul, na última quinta-feira (29/08).
O FronTend - novos rumos é um ciclo de palestras mensais organizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), em parceria com a Microsoft, direcionado para executivos do setor público e servidores do programa de Aperfeiçoamento de Carreiras. A proposta do evento é trazer para o debate temas emergentes e relevantes para governos e sociedade.
Para a presidenta da Enap, Betânia Lemos, o racismo algorítmico não é novo e se revelou entre 2012 e 2013 com o uso de aplicativos de policiamento preditivo. “Vamos nos adaptando à tecnologia e esquecemos como era a vida antes. Esses algoritmos definiam quem as polícias prendiam e verificou-se que eles indicavam a abordagem a pessoas negras. O que traz uma grande discussão sobre o uso do algoritmo e como ele é racista. O algoritmo é programado por pessoas e absorve dados que a gente tem a partir de registros racistas historicamente”, explicou.
Na palestra, Lisiane Lemos, contou um pouco da sua trajetória profissional, seus desafios e o motivo de trabalhar no setor público após uma bem sucedida carreira na iniciativa privada. “Venho de uma família de mulheres que sempre foram muito envolvidas com questões sociais. E aceitei o desafio de vir para o governo porque acredito que possa escalar soluções e alcançar 11 milhões de pessoas no estado. Acredito que a educação é uma alavanca para transformar a vida e que transforma a sociedade, impactando uma pessoa por vez”, disse.
A palestrante dividiu a fala em três momentos: viés inconsciente do racismo, algoritmo e transformação digital e como transformar o mundo em um lugar melhor a partir da tecnologia. “A grande confusão é a diferença entre racismo e injúria racial. A gente acha que o racismo é só “ofender” e não enxergamos as discriminações da sociedade incorporadas que afetam as oportunidades para as pessoas negras”, explicou.
Segundo Lisiane, todos nós temos percepções inconscientes a partir da realidade e da experiência de cada um. “Eu também tenho os meus vieses e trabalho para vencê-los. Nos apegamos às referências do grupo minoritário a que a gente pertence, mas esqueço das interseccionalidades. A grande confusão é a diferença entre racismo e injúria racial. A gente acha que o racismo é só “ofender” e não enxergamos as discriminações da sociedade incorporadas que afetam as oportunidades para as pessoas”, contextualizou.
Sobre a causa que leva os algoritmos a replicarem o racismo, a especialista ressaltou a importância de avaliar quem educa e cria essa tecnologia e quais bases de dados utilizadas estão contaminadas por modelos racistas. “Para modificar essa realidade é necessário transformar de dentro para fora. Educar as bases de dados para romper barreiras históricas. Nas empresas em que trabalhei, menos de 5% dos profissionais não eram brancos”.
Lisiane deu algumas dicas para os gestores enfrentarem institucionalmente o racismo algorítmico: saber a origem dos dados e as informações que estamos oferecendo nos canais digitais, analisar os próprios preconceitos inconscientes, trazer especialistas para a discussão e ter uma equipe diversificada pois não há como construir soluções inovadoras sem a construção coletiva. “Toda tecnologia é construída por alguém que traz suas referências. E as formações fazem parar e pensar em tudo que estamos criando. Todos nós somos preconceituosos. Não existe ser perfeito que não carrega nada.”, concluiu.