Humberto Falcão Martins é doutor em administração, atua há 34 anos na área de ensino em gestão pública, é autor de 20 livros, consultor, professor da Fundação Dom Cabral e da FGV. Ele esteve com lideranças, servidores públicos e demais interessados, no programa Fronteiras e Tendências da Enap, para falar sobre Governança colaborativa – a gestão pública em rede.
Assista à palestra na íntegra.
Para problemas públicos complexos, construção colaborativa de soluções
Ao contextualizar seu tema, Martins afirmou que a governança colaborativa é palpitante e contemporânea, dada a complexidade dos problemas públicos que, por afetarem o coletivo, demandam intervenções coletivas. “O conceito de governança colaborativa surge com base em três fundamentações: a complexidade dos problemas públicos, a sociedade em rede e a ideia do estado em rede”, pontuou Martins.
Ele afirmou que os problemas públicos são complexos, têm muitas variáveis, chegando a se situar na fronteira da intratabilidade. Eles afetam a muitos ou a todos os indivíduos e compartilham de uma característica comum dos bens públicos, que é a não excludabilidade, ou seja, nenhum de nós pode se colocar de fora do alcance dos problemas públicos.
“Por esta condição, os problemas públicos devem ser tratados de maneira colaborativa, pois nenhum ator isoladamente daria conta de tratá-los. São requeridos arranjos colaborativos com agentes, níveis de governo, empresas e organizações não-governamentais”, disse o palestrante.
Vivemos em rede
A segunda fundamentação para a governança colaborativa é a sociedade em rede, que permite a comunicação autônoma entre os indivíduos, o livre controle das instituições e o exercício de uma espécie de contrapoder social. E qual a relação entre governança pública e sociedade em rede? O professor argumenta que da hiperconectividade deriva um espaço não institucional para discussão de pautas que pode contribuir muito para o trato dos problemas públicos.
Martins explica que o conceito do estado em rede surge a partir do estado colaborativo com outras esferas do setor privado, terceiro setor e organismos multilaterais, por exemplo. Ele se caracteriza por ser relacional, articulado, parceirizado. Compartilha desta forma sua autoridade em distintas formas e níveis para o trato dos problemas públicos e para a geração de valor público. Um estado que não cabe dentro da sua fronteira político-institucional, articulado com outras capacidades, tem ganho sinérgico, porque há um valor adicionado para que os problemas públicos possam ter um trato mais satisfatório.
Humberto Falcão faz uma ressalva para esclarecer que não se refere à governança corporativa, político-institucional ou ao conceito de governança adotado pelo Tribunal de Contas da União, apesar de dialogarem entre si. “A gestão pública compreende o processo de geração de valor público, que está no ápice do conceito que trago”, esclareceu Martins
A sociedade em rede trouxe ainda a colaboração autônoma e permite o contrapoder da sociedade com formas inovadoras de ideias para o trato dos problemas públicos. Essa colaboração se dá de forma emergente, instável porque nem sempre calcada em regras.
Para Martins, “colaborativo” é um conceito que antagoniza de certa forma com a ideia do hierárquico que está em nosso legado cultural. Colaborativo é trabalhar junto, cooperar, pressupõe ação coletiva e integrada. É espontâneo, consensual, deliberado, volitivo.
Como funciona a governança colaborativa
Em três dimensões, segundo Martins: público-privado, público-público (intra e intergovernamental) e privado-privado para tratar problemas públicos. Os atores se conectam de maneira deliberada para cumprir as finalidades a que se destinam os arranjos.
A gestão pública em rede é constituída a partir desses arranjos híbridos que combinam elementos hierárquicos e colaborativos. Tudo isso dialoga com a sociedade em rede, que não é institucional, mas tem o poder de pautar, deliberar, manifestar-se e eventualmente de realizar também.
Não se trata de uma forma certeira de resolver problemas. Segundo Martins, essas formas híbridas contém elementos de colaboração e de hierarquia, porque as redes não são ambientes estáveis e rígidos.
Lógica de funcionamento das parcerias
O grande produto de uma atuação colaborativa é a geração de impactos ligados à geração de valor público e ao aprendizado colaborativo. Trata-se de engajamento com princípios, uma aproximação baseada em visões, expectativas e demandas. “A colaboração é um processo contínuo de construção de confiança que pode ser aprendido”, disse Martins.
Por fim, Humberto Falcão Martins apontou que o Brasil tem modelos estruturados de parcerias; outros países o fazem de maneira mais informal. O desafio é aprimorar os modelos, em um processo de aprendizado gradativo para desenvolver liderança compartilhada, essencial para que as parcerias dêem certo. É desejável o aperfeiçoamento da legislação relativa ao controle, para que os órgãos responsáveis tenham uma ideia mais acolhedora sob uma ótica não-hierárquica. “Há déficit dos governos para atuação colaborativa. É necessário construir confiança, realizar experimentações e desenvolver resiliência social para crises que virão”, afirmou.