Em agosto a Enap recebeu em live o economista James Heckman, Nobel de Economia, no Fronteiras e Tendências, evento voltado para altos executivos e aberto para a comunidade. Heckman é professor da Universidade de Chicago, especialista em economia e desenvolvimento humano. E falou sobre educação, habilidades e a importância do envolvimento parental no desenvolvimento de competências.
Confira a participação, agora legendada em português. A matéria abaixo é um extrato da palestra, que pode ser vista na íntegra, com riqueza de dados e resultados de estudos globais sobre o tema.
Pobreza, desigualdade e imobilidade social e econômica são problemas universais
Hoje vou falar sobre a elevada valorização de competências e porque é importante valorizá-las. Vou focar na evidência, não apenas dos Estados Unidos, Nova Zelândia, Dinamarca e de outros países.
A pobreza é um problema antigo, não desapareceu e é pouco provável que venha a desaparecer. Na verdade, pelo menos o nível de pobreza pode ser mudado. Mas os estudos sobre desigualdade, pobreza e imobilidade econômica e social são questões muito básicas que são discutidas anteriormente no contexto das políticas públicas. Portanto, quero falar sobre o que as novas evidências dizem sobre as formas eficazes de abordar essas questões.
Há diferenças entre educação e desenvolvimento de habilidades
Quando se fala em competências, muitas vezes nos referimos à educação. Sei que no Brasil tem havido um tremendo interesse em mudar a lacuna educacional. Apesar disso, as escolas são muito pobres, o nível de educação é baixo. E sei também que, em menos de 30 anos, o Brasil avançou notavelmente na elevação do nível de educação. Mas isso não é apenas educação, esse vai ser um tema importante do meu trabalho. Portanto, deixe-me mostrar porque tantas pessoas estão interessadas na educação.
No Brasil, [Ricardo] Paes de Barros tem feito pesquisas para tentar entender a desigualdade educacional e o quanto isso contribui para a desigualdade, nível de salários e oportunidades na vida dos trabalhadores.
As lacunas de desigualdade começam muito cedo, antes mesmo das crianças entrarem na escola, de modo que as próprias escolas não podem ser muito responsabilizadas. EUA é uma sociedade desigualmente escolarizada. Essas lacunas que surgem nas crianças aos três anos de idade têm impactos na mobilidade educacional intergeracional e na desigualdade social.
Nos Estados Unidos vemos lacunas no peso de nascimento entre crianças cujos pais estão abaixo do ensino médio comparativamente a pais formados na faculdade. E isso repercute na vida da criança, inclusive na capacidade de lidar com outras, a sociabilidade. A falta de atenção à primeira infância tem reflexos ao longo de todo o ciclo de vida, em termos de salários, saúde, nível de criminalidade.
Muitas pessoas têm falado sobre a elasticidade intergeracional da renda A Curva Gatsby é uma relação entre o chamado IGE, que é a relação entre o nível de escolaridade ou renda dos pais e da criança e o nível de desigualdade na sociedade.
Pelos indicadores de transmissão intergeracional, existe relação de dependência entre a renda do pai enquanto a criança estava crescendo e a renda dessa criança ao chegar à idade adulta.
Famílias monoparentais e resultados nos grupos estudados
Estudos apontam que as fontes do aumento da desigualdade nos EUA se devem à estrutura familiar e ao desenvolvimento de competências. Eles mostram que os níveis salariais relacionados aos níveis de educação têm papel relevante. O emprego feminino está desempenhando um papel equalizador, mas há disparidade de salários entre homens e mulheres. Muitas vezes é negligenciado o papel desempenhado pela estrutura familiar. Ela é um componente muito importante, responsável pelo aumento do coeficiente de Gini. Nos Estados Unidos temos razões especiais para estarmos preocupados, porque encontramos crescimento de famílias não casadas e quero dizer, não apenas coabitando da maneira usual dinamarquesa, refiro-me também à diminuição de uniões mais ou menos estáveis.
São pessoas que muitas vezes têm filhos com menos de 18 anos que nunca viram seus pais, nunca viveram em uma unidade familiar estável. Por volta dos anos 50 e 60 tivemos rápido aumento, em todos os grupos raciais, de nascimento de filhos de mães solo. Isto não é uma declaração moral, é uma declaração sobre famílias que literalmente têm menos recursos. Onde o parente, o pai não está, os níveis de renda são menores e a mãe tem menos educação formal.
O crescimento menor é consequência da pobreza que está associada a uma família monoparental. Quando olhamos para as crianças e para os ambientes, constatamos que crianças crescendo em famílias profissionais aprendem quase quatro vezes mais palavras do que crianças de assistência social em famílias muito pobres, onde a qualidade de vida em termos de incentivo à criança é muito mais tardia. Isto é verdade nos EUA, Dinamarca, Grã-Bretanha e em muitos países. Mesmo em estados de bem-estar e serviços universais há uma tremenda segregação.
A estrutura familiar é importante, não se trata apenas de genética. Crianças desfavorecidas são as que enfrentam as piores circunstâncias. Normalmente seus pais não têm formação universitária. Mãe e criança são uma fonte de crescimento da pobreza doméstica. A mãe enfrenta o desafio de criar sozinha as crianças. Além disso, a criança cresce em circunstâncias muito adversas.
As pessoas podem dizer que aqui estamos perto do darwinismo social. Eu quero dizer que este tem sido um dos grandes problemas nesta discussão. Nos anos 60 e 70, um estudo de Arthur Jensen teve achados ratificados por estudos posteriores. Havia um programa chamado Head Start, voltado para as condições da primeira infância, avaliando se o QI poderia ou não ser aumentado.
Duas questões são interessantes: primeira, que o QI era visto como o principal determinante do sucesso de vida e, em segundo lugar, que o aprimoramento do QI levaria, portanto, a vidas bem-sucedidas. Há um programa onde os tratamentos de QI são randomizados em controle e tratamento. O grupo de tratamento recebeu algo como o Head Start, que lidava com as condições iniciais de vida, com resultados positivos. Aos 10 anos de vida, entretanto, esses benefícios desapareciam.
Quando acompanhamos estas crianças do Head Start, percebemos que elas foram impulsionadas em muitas outras dimensões, habilidades sociais e emocionais, como lidar com a complexidade, de autorregulação, o chamado funcionamento executivo.
Competências têm reflexo em muitos campos da vida
É importante observar os estímulos à vida familiar e como estamos desenvolvendo as habilidades sociais e emocionais. Há fortes consequências intergeracionais. Filhos com boa experiência parental têm melhor desempenho, autorregulação e melhores condições de saúde na vida adulta.
Há programas com os quais já me comprometi, na Jamaica e na China, que estão estimulando na idade ainda jovem. Estamos acompanhando essas crianças na Jamaica até os 30 anos de idade e verificando enormes ganhos em termos de renda.
As competências são um ingrediente importante, subjacente a muitos grandes problemas econômicos e sociais. Esses problemas incluem aspectos como saúde, baixa renda e aspectos relacionados à habilidade de lidar com uma variedade de aspectos da vida.
Há uma espécie de dinâmica intrínseca. As habilidades sociais e emocionais fomentam competências cognitivas, as crianças cuidam de si mesmas, comparecem à escola, são mais responsáveis e saudáveis.
Apenas argumentos genéticos não explicam as desigualdades sociais, como os eugenistas poderiam ter feito há 100 anos, o que é simplesmente obsoleto. Há experimentos randomizados recentemente, onde crianças receberam estímulo desde os 3 anos e agora estão com 55 anos de idade. Nós as acompanhamos até a metade dos 50 anos e vemos que crianças com maior envolvimento parental têm melhor desempenho em muitas dimensões.
Além das habilidades sociais e emocionais, estudamos as chamadas habilidades interpessoais (soft skills), que podem ser facilmente medidas. E há um grupo inteiro fazendo estas medições em São Paulo - Santos, trabalhando com Oliver John, um psicólogo bastante conceituado de Berkeley. Eles estão desenvolvendo medidas no Brasil. Inventários amplos de habilidades sociais e emocionais fornecem uma imagem mais rica do que as escolas e as famílias estão fazendo e qual pode ser a política social eficaz.
Educando os pais para a educação dos filhos
Pense em fornecer informação, dando a estrutura do aprendizado interativo ao qual nos referimos anteriormente. Envolve fornecer conhecimento para os pais, enviando para as comunidades pessoas que irão ensiná-los sobre como engajar a criança. São programas de baixo custo.
Os programas de visitas domiciliares são lindos, treinam as pessoas na vila sobre como estimular a relação pai-filho. Os visitantes são pessoas do mesmo nível de educação, treinados para esta finalidade. O acompanhamento de longo prazo mostra que estas crianças são incrivelmente bem sucedidas. Na Jamaica um programa desse tipo custa algumas centenas de dólares anuais, com retornos altos. Trabalhe com os pais; diga a eles o que podem fazer e quão eficazes eles podem ser.
Os estudos indicam que relações parentais desempenham papel mais importante do que as escolas.
Estamos próximos da educação personalizada com softwares interativos
Estou trabalhando com um grupo em Shenzhen, na China, que é tipo o Vale do Silício chinês. Há um grupo de cientistas da computação de altíssima qualidade e de TI, engenheiros elétricos e cientistas da computação que têm um grande conhecimento. Estamos olhando para softwares interativos que podem desafiar crianças com jogos. Consiste em uma forma de ensiná-las, manter registros e avaliá-las ao mesmo tempo. Estamos próximos de desenvolver uma educação personalizada. O software que está sendo construído permite que a criança cresça em taxas diferentes, de acordo com suas características.
A valorização da capacidade de lidar com trabalhos complexos aumenta no mercado de trabalho; da mesma forma, são importantes as capacidades de responder às mudanças e de dimensionar um problema para desenvolver uma solução eficaz. Bem, o ETS está desenvolvendo software para testar como as pessoas respondem à complexidade.
Há dez anos, a força aérea dos Estados Unidos tentava desenvolver um mecanismo para triagem de indivíduos que poderiam consertar motores a jato. É um equipamento complicado. Para selecionar pessoas que consertem motores a jato não importam o nível de QI, se conhecem as três leis de Newton ou se aprenderam o teorema de Pitágoras. Interessa é a capacidade de lidarem com a situação. As avaliações que estão sendo desenvolvidas nos dão um quadro muito mais completo. Aplica-se a crianças em idade escolar, a aprendizes e a trabalhadores em uma fábrica.
O advento da tecnologia da informação interativa é incrível. O sistema público de radiodifusão da América tem o programa Luna, do canal americano PBS, para crianças novas. É sobre a lua dando a volta ao mundo, permitindo às crianças novas percepções a cada evento. É mais que apenas olhar para a lua dar a volta ao mundo. Eles dizem, "oh, estamos no México, os mexicanos comem tortillas, os mexicanos comemoram o dia dos mortos". Isso lhes dá um contexto cultural ao mesmo tempo que os desafia intelectualmente.
As avaliações e aprendizado baseados no jogo são o caminho do futuro. O computador tornará eficaz o aprendizado a distância. Talvez a melhor maneira de aprender não seja em uma sala de aula com 30 ou 50 alunos. Uma criança sentada em frente a uma tela com alguém ajudando pode permitir que aprenda em seu próprio ritmo. Temos que replicar estas experiências.
Os governos podem se apropriar dos resultados desses estudos para construir políticas públicas adequadas.