A proposta do Projeto de Lei que busca ampliar o acesso à água para população foi enviada ao Congresso Nacional nesta sexta-feira (17). O PL deve organizar o planejamento e atuação pública para o desenvolvimento das infraestruturas hídricas estratégicas, como barragens, canais e adutoras.
As medidas buscam aprimorar a gestão das águas e a melhoria das condições da segurança hídrica no País, ampliando o acesso da água pela população e abrindo espaço para a atração de investimentos e atuação do setor privado.
De fevereiro a outubro deste ano, o Ministério do Desenvolvimento Regional trabalhou com a Enap para receber apoio na construção da Política Nacional de Segurança Hídrica.
Se envolveram em alguma das etapas do projeto quase 30 servidores do MDR ou de órgãos vinculados. Além disso, foram ouvidos 55 atores estratégicos do setor hídrico das diversas regiões do Brasil. Foram 14 sessões de entrevistas com a presença de pesquisadores, gestores estaduais de recursos hídricos, agências reguladoras, integrantes de Comitês de Bacia, agentes do mercado, organismos internacionais e outros.
Para falar sobre o processo colaborativo e as mudanças trazidas pela nova política, a Enap convidou Cristiane Collet Battiston, coordenadora-geral de Gestão Integrada na Secretaria Nacional de Segurança Hídrica do MDR (SNSH), que foi o ponto focal da parceria no MDR.
Por que foi importante fazer o marco hídrico de forma colaborativa?
Cristiane: Está dentro das competências do MDR a elaboração da Política Nacional de Segurança Hídrica. A gente fez toda uma discussão sobre quais são as lacunas hoje para a promoção da segurança hídrica.
E quais são as lacunas nas políticas públicas? Aqui a infraestrutura hídrica apareceu em destaque, é algo que já vem sendo discutido em eventos, na comunidade acadêmica, entre os especialistas. Para formular uma política pública a gente precisa ter uma discussão ampla na sociedade, para definir o problema social, suas causas e consequências e então buscar as formas de solução. Não se pode ficar na visão individual do ministério ou só dos técnicos. A gente precisa fazer essa discussão com todos os especialistas, instituições relevantes, os atores-chave para definir o problema social e buscar os caminhos de forma conjunta.
O que a escuta aos especialistas agregou ao projeto?
Cristiane: Fizemos uma discussão com um rol de perguntas estruturadas para conseguir captar o máximo de experiências, ideias, visões, desafios e propostas e ideias de solução para nosso problema de falta de sustentabilidade das infraestruturas hídricas. Conseguimos pegar com eles muitas experiências, inclusive com especialistas de outros setores, de pessoas que trabalham com outro tipo de infraestrutura. Isto nos ajudou muito a traçar os caminhos que depois consolidamos na proposta do PL do marco hídrico.
Quais são as lacunas de gestão e operação no segmento hídrico?
Cristiane: Para a política, ainda temos uma lacuna de planejamento. Precisamos articular o planejamento da União com o planejamento dos estados para conseguir atender as regiões onde temos insegurança hídrica. Muitas vezes precisamos de soluções mais estratégicas e mais regionais e isso a gente precisa discutir em conjunto. A grande lacuna que temos é o planejamento institucionalizado para a infraestrutura hídrica e um bom sistema de informações sobre a infraestrutura hídrica.
Quais as novidades e instrumentos trazidos pelo marco hídrico?
Cristiane: No marco hídrico trazemos dois instrumentos importantes, um ligado ao plano, outro ligado ao sistema e também um planejamento mais operacional das infraestruturas para que elas atinjam todo o potencial e atendam à demanda da sociedade. Outro instrumento que estamos trazendo é um programa de eficiência hídrica, porque não temos que apenas nos preocupar em fornecer mais água e com qualidade. Precisamos nos preocupar em como usamos a água. Temos que usá-la de forma bastante otimizada e eficiente.
Quais serão os impactos positivos da nova política?
Cristiane: Ao configurarmos legalmente o serviço prestado pelas infraestruturas hídricas trazemos o tema para outro nível. Teremos uma regulação, critérios e diretrizes para a prestação desse serviço. O prestador de serviços passa a ter obrigações com a qualidade do serviço que ele presta ao usuário. Mas ele também tem o direito de ser remunerado pela prestação desse serviço.
O que ganha o usuário, que é o beneficiário das políticas públicas?
Cristiane: Um serviço mais bem prestado, com mais garantias. Ele tem mais garantias de continuidade da sua atividade econômica e do seu abastecimento. Um olhar mais amplo mostra que as infraestruturas hídricas públicas são implantadas, operadas e mantidas com recursos do erário, dos impostos. Significa que todo mundo paga. Então mesmo quem não tem segurança hídrica, que anda cinco quilômetros com o balde na cabeça para buscar água, está pagando, por meio de seus impostos, pela operação e manutenção daquelas infraestruturas hídricas. Isso não é justo. Também não é justa a disputa que a gente tem no orçamento público, muitas vezes não chegam os recursos suficientes para operar e manter as infraestruturas hídricas de forma adequada. Então mesmo o usuário daquela infraestrutura não tem um serviço bem prestado. O marco trás esse modelo de sustentabilidade que gera maior garantia e confiança entre o prestador de serviços e o usuário. E teremos mais justiça tributária também.
Esse modelo de sustentabilidade trará ganho nos investimentos privados em função da segurança jurídica. O investidor privado se sentirá atraído e terá condições de investir nessas infraestruturas e fazer disso um negócio. Será possível ampliar os investimentos nesta área e chegar às populações onde hoje temos dificuldades de chegar pela restrição dos investimentos públicos no setor.
Como fica a nova política em relação às legislações que já existem?
Cristiane: Além de focar na melhoria do gerenciamento e planejamento das infraestruturas hídricas, o marco hídrico se preocupa com o aprimoramento do gerenciamento de recursos hídricos, estabelecido pela Lei 9.433 de 1997, uma lei que completa 25 anos em 2022. Ainda hoje temos instrumentos pouco implementados. A gente traz algumas alterações para ampliar a implantação dos seus instrumentos, como a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a ampliação das agências de águas, a possibilidade de concessão administrativa dos serviços de gerenciamento hídrico prestado pelas agências de água e um novo instrumento, que é a cessão onerosa da outorga dos recursos hídricos.
Pode detalhar o que é a cessão onerosa e como ela se reflete na nova política?
Cristiane: A cessão onerosa é um novo instrumento que estará na política de gerenciamento dos recursos hídricos. Ela vai permitir que em situações de escassez os usuários possam voluntária e temporariamente negociar suas outorgas de direito de uso entre si próprios, registrando isso junto ao poder público. Tais negociações já acontecem hoje em dia, mas não são registradas, permanecem informais. Estamos institucionalizando esta questão na política. Trata-se de um instrumento econômico bastante interessante para otimizar a gestão da água em momentos de crise ou situações de escassez. Por exemplo, quem precisa de uma outorga maior e necessita manter uma quantidade de captação maior para manter sua atividade econômica pode fazer uma negociação com quem tem a possibilidade de ceder a outorga com uma indenização entre si. Assim ambos podem sair ganhando e a gente otimiza a alocação da água.
Sobre o processo colaborativo e o papel da Enap
Em fevereiro de 2021 a Secretaria Nacional de Segurança Hídrica do Ministério do Desenvolvimento Regional buscou a Enap para aprofundar o entendimento dos problemas da segurança hídrica, em especial os da infraestrutura. O órgão tinha a demanda de construir um marco normativo (política) que incidisse em algumas lacunas tanto na gestão quanto no uso dos serviços de infraestrutura hídrica.
A Enap tem uma Diretoria de Inovação – GNova, que oferece assessoria técnica a outras instituições governamentais na construção colaborativa de soluções para problemas públicos, na formulação e implementação de políticas públicas e na elaboração de estratégias organizacionais. O trabalho se dá por meio de projetos de transformação governamental, desenhados sob medida a partir dos objetivos da instituição parceira e da natureza do desafio público colocado.
Assim foi com a demanda da SNSH, que era de construir uma política fundamental para integrar os diversos normativos relacionados ao tema água, especialmente no componente infraestrutura hídrica de usos múltiplos.
A coordenadora de Transformação Governamental da Enap, Fernanda Machiaveli, destaca como diferencial deste projeto a qualificação da equipe da Secretaria Nacional de Segurança Hídrica, que já chegou na Enap bastante preparada e com muita clareza do que precisava ser feito para encontrar alternativas de operar e manter as infraestruturas existentes.
Além de aprofundar a compreensão do problema, a SNSH necessitava ouvir atores estratégicos do setor nas questões que julgava mais relevantes de serem enfrentadas com o marco normativo.
Com os insumos colhidos ao longo dos trabalhos, a equipe do Ministério do Desenvolvimento Regional construiu a base do Projeto de Lei que foi encaminhado ao Congresso ontem, 16/12/21.