Nenhum país vai resolver isoladamente os três maiores desafios que se colocam para a humanidade e a economia global. Para o geógrafo norte-americano Jared Diamond, a Covid-19 não é uma ameaça maior para o planeta do que as mudanças climáticas e a desigualdade de renda que provoca migrações em direção aos países ricos. “O combate à pandemia pode inspirar os países a cooperar, e não a competir por recursos”, afirmou premiado escritor de livros que analisam a globalização e o capitalismo.
Diamond fez no final da tarde de hoje a palestra de encerramento da Semana de Inovação 2020, organizada pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e que durou quatro dias. Com o título “Reviravolta: momentos cruciais de nações em crise”, a fala do autor teve um tom de “otimismo cauteloso” sobre os desdobramentos da Covid-19. Mas ele procurou dar uma perspectiva realista e ressaltou que a questão climática, o aquecimento do planeta, pode sim acabar com a população.
“Se pensarmos que a Covid pode matar 2% dos habitantes do planeta, isso representa 150 milhões de mortos. A pandemia pode ser, portanto, menor do que a letalidade da mudança climática que não mata em dois dias e pode acabar com 100% da humanidade”, frisou Diamond, para quem a doença do vírus tem dimensão global e viaja rapidamente de avião de um país para outro. “Os descobrimentos levaram varíola, tuberculose e sarampo de navio para as Américas, dizimando indígenas, astecas e incas. A diferença é que naquela época os europeus eram imunes a essas doenças.”
O que fez a Covid-19 diferente do passado, segundo Diamond, é que ninguém era imune ao coronavírus até ano passado. A propagação da doença tem, por sua vez, uma velocidade inédita, se espalhando pelo mundo com o transporte aéreo. “É interessante que muitas pessoas veem a Covid como um problema global, mas não tem essa mesma visão sobre a mudança climática”, acrescentou. O aquecimento global foi citado por inúmeros palestrantes da Semana de Inovação como a maior ameaça de longo prazo.
Segundo Diamond, as mudanças climáticas afetam diretamente a produção agrícola e aumentam as temperaturas de oceanos. A água do mar mais quente causa desequilíbrio de peixes e crustáceos que alimentam metade da população global. Além disso, ocorre elevação dos níveis dos mares, pelo derretimento das calotas polares de gelo. “Bangladesh tem hoje um problema sério de avanço do mar. Um quarto do país fica abaixo do nível do mar, o que é a agravado pelas enchentes por chuvas nessa região da Ásia.”
A China, ressaltou Diamond, enfrenta atualmente a mistura de água doce com salgada, por conta de desequilíbrios ambientais. Outro efeito do aquecimento global, lembrado pelo escritor, são os furacões, ciclones e tsunamis que matam 200 mil pessoas por ano na Indonésia. “É conhecida a informação de que locais quentes espalham mais doenças, como a febre amarela e chikungunya. Na Europa, já aparecem mais doenças devido às temperaturas mais elevadas”, observou.
Também preocupa, segundo o geógrafo, a disparidade de renda entre pessoas de um mesmo país e entre países. Por isso, ele alerta para as crescentes migrações de moradores de regiões pobres do planeta em direção à riqueza de locais como Austrália e Europa. Resultado: aumenta o risco de conflitos sociais e casos de xenofobia. “As três grandes ameaças só serão resolvidas com uma cooperação dos países, e o combate à Covid pode ser um exemplo. Por isso, digo que tenho um otimismo cauteloso com o mundo.”