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Conclusão é resultado de pesquisa inédita que estudou cenários de políticas públicas executadas em cinco estados brasileiros

 A descoordenação entre as esferas federal e estadual na condução de políticas públicas de combate à pandemia da Covid-19 no Brasil pode ter afetado negativamente o avanço da doença nos estados brasileiros e, consequentemente, o desempenho no combate ao vírus ao não considerar as particularidades de cada estado. A conclusão é da pesquisa que acaba de ser publicada pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) no Caderno Cátedras Covid, que reúne artigos com estudos específicos sobre a pandemia no País. 

 A pesquisa inédita analisou cenários utilizando dados para cinco estados brasileiros para verificar o potencial impacto da descoordenação sobre o agravamento da pandemia. A análise aponta que a falta de coordenação entre União e Estados possuiu potencial para contribuir para o avanço da Covid-19 no Brasil, e indica possíveis trajetórias de políticas de contenção que poderiam ter sido adotadas de forma coordenada para a redução dos números de mortes no país. O estudo verificou que a dimensão continental do Brasil e a heterogeneidade das características de seus diversos estados são fatores que deveriam ser considerados ao estabelecer metas, propostas e políticas públicas nacionais. Segundo a publicação, “a adoção de uma política de combate à epidemia descoordenada em relação às particularidades estaduais implicaria consequências qualitativas bastante gerais em relação ao cenário coordenado, entre ela:

  1. maiores picos das populações infectadas, ocorrendo mais cedo;
  2. maiores picos das taxas de mortalidade, ocorrendo também mais cedo;
  3. recessões econômicas menos profundas, porém mais prolongadas e de mais lenta recuperação;
  4. menor quantidade de infectados ao fim da epidemia, porém com maior quantidade de mortes acumuladas”.

Os estados escolhidos para serem comparados buscaram representar o Brasil heterogêneo. Amazonas, Ceará, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro eram os estados que apresentavam os cinco maiores números de casos confirmados acumulados e notificados de covid-19 no momento de início da pesquisa. Segundo Geraldo Sandoval Goés e Luan Borelli, pesquisadores responsáveis pelo estudo, “apenas esses cinco estados foram selecionados, pois abarcam um domínio de diferentes características demográficas, geográficas, sociais e econômicas amplo o suficiente para permitir a generalização dos resultados para os demais estados do país, ao menos à luz do modelo considerado”.

A partir de um modelo epidemiológico originalmente proposto em 1927, que prevê a distribuição de casos de uma doença infecciosa conforme ela é transmitida através de uma população ao longo do tempo, o modelo SIR-macro (acrônimo para Suscetíveis, Infectados e Recuperados) utilizado foi adaptado para incorporar a interação entre as decisões econômicas e as taxas de infecção.

Outro ponto destacado pelos pesquisadores e que o modelo leva em consideração é o fato de que “a população infectada pelo vírus não internaliza por completo o efeito de suas decisões de consumo e trabalho na disseminação do vírus”. Desta forma, eles destacam o importante papel das autoridades públicas em adotar políticas de contenção que reduzam o consumo e as horas trabalhadas pelos agentes para reduzir possíveis mortes. “Reduzindo as interações econômicas dos agentes, essas políticas de contenção exacerbam, por um lado, as recessões, mas reduzem, por outro, a quantidade de mortes resultante da epidemia'', ponderam os autores.

Dois cenários possíveis: o coordenado e o descoordenado

Analisando até mesmo as formas de contágio da doença, como por exemplo, novos infectados decorrentes das atividades de consumo e novos infectados decorrentes das atividades de trabalho, as características da pandemia foram transformadas em variáveis e fórmulas matemáticas. Dividido em dois cenários, o coordenado e o descoordenado, o modelo matemático considerou características que poderiam ser contempladas nos dois casos. O cálculo final respondeu a análise questionada pelo estudo. 

No cenário coordenado, as ações e políticas tomadas desde o início da pandemia seriam executadas “separadamente para cada estado, refletindo o cenário em que as autoridades do país coordenam suas tomadas de decisão considerando as realidades estaduais e, assim, diferenciando as políticas de contenção de acordo com suas diferentes características particulares”.

Já no cenário descoordenado, uma única trajetória de ações políticas de contenção da pandemia seria usada no Brasil como um todo. “Esse cenário reflete, portanto, o extremo oposto do coordenado, ou seja, as autoridades desconsideram por completo as características particulares dos estados, conduzindo suas tomadas de decisão de maneira completamente descoordenada das realidades estaduais do país”.

O cenário descoordenado indicou mais desvantagens em relação ao coordenado, com maiores consequências epidemiológicas e macroeconômicas resultantes desses erros de condução. “Os resultados mostraram que a trajetória descoordenada erra em duas principais dimensões: em primeiro lugar, prescrevendo uma elevação das taxas de contenção até níveis inferiores ao ideal para todos os cinco estados considerados; e, em segundo lugar, prescrevendo tanto o aperto quanto o relaxamento dessas medidas com grande atraso em relação ao momento ideal, prescrito pelo cenário coordenado, para cada um dos cinco estados considerados,” explica o artigo.

Rio de Janeiro sofreria menos com a prescrição das medidas de contenção

Sob duas diferentes perspectivas, os resultados da pesquisa permitem avaliar, entre os cinco estados, a magnitude potencial dos erros de condução de política decorrentes da descoordenação. Ainda de acordo com o resultado, o início da flexibilização das medidas de contenção, diferem também consideravelmente entre os estados. No estudo, o Rio de Janeiro (RJ) sofreria menos tempo com a prescrição das medidas de contenção do que o estado do Amazonas (AM). “O segundo que menos sofreria seria o Estado de São Paulo (SP), enquanto o terceiro, do Ceará (CE); o quarto, do Amazonas (AM) e, por último, o estado que mais sofreria com a descoordenação das políticas seria o Estado de Pernambuco (PE).”

Como resultado do modelo matemático utilizado, ainda ficou claro que a falha das autoridades em captar as características de cada estado no desenho das políticas de combate à epidemia “poderia acarretar o atraso em iniciar a elevação das medidas de contenção em relação às necessidades estaduais, e a subestimação do rigor necessário em suas conduções”.

Principais consequências da descoordenação

A pesquisa encontrou, nos cenários modelados e estudados, relação direta entre a descoordenação e os picos das populações infectadas, sendo sempre maiores neste cenário, quando comparados ao cenário coordenado. Como consequência do atraso de ação das medidas de contenção da doença, somado ao baixo rigor das poucas medidas adotadas nos primeiros momentos da epidemia, a crescente onda descontrolada de contaminados leva “a sobrecarga dos sistemas de saúde estaduais, elevando também as taxas de mortalidade, que atingem, para todos os estados considerados, picos superiores aos picos atingidos no cenário coordenado”. 

Em contraponto, nota-se que no cenário descoordenado as consequências macroeconômicas são menos profundas que nos cenários coordenados. “Isto ocorre, evidentemente, às expensas da saúde pública, tendo como contrapartida um maior número de mortes, conforme já constatado. Não obstante, é importante salientar que, ainda que no cenário descoordenado as recessões resultantes embora sejam menos profundas, são mais duradouras”. 

*O estudo integra a Coleção: Covid-19 Fast Track e é resultado dos conhecimentos gerados pelas pesquisas realizadas no âmbito do Programa Cátedras Brasil, desenvolvido com o objetivo de selecionar projetos de pesquisa que gerem subsídios para o entendimento ou enfrentamento à pandemia de Covid-19 pela Administração Pública. A pesquisa completa está disponível no link: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/6505

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