O espaço Inovatio, na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), foi local de conscientização na manhã desta sexta-feira (8/12), sobre o enfrentamento à violência de gênero. A ação aconteceu na mesa redonda: “Medidas Práticas (e urgentes) para a Redução da Violência contra Mulheres e Meninas”, de iniciativa da instituição e realizada em conjunto com as embaixadas da Austrália e da Suécia. O encontro marcou o apoio a campanha mundial chamada de "21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres", que começou em 20 de novembro no Brasil (Dia da Consciência Negra, considerando a dupla vulnerabilidade da mulher negra).
A diretora de Educação Executiva da Enap, Iara Alves, iniciou o evento destacando que a violência contra a mulher é a mais cruel consequência das desigualdades de gênero no país. "Os números são ainda maiores entre mulheres negras e isso deixa claro que o feminicídio tem intersecção de raças e de vulnerabilidades. Sem contar com os casos de invisibilidade, como os das mulheres com deficiência”, alertou. A diretora trouxe ainda para discussão a importância da representatividade de mulheres em cargos de liderança no setor público como uma medida valiosa na prevenção à violência feminina.
A embaixadora da Austrália, Sophie Davies, lembrou que a mesa redonda é uma ação que marca os “21 Dias de Ativismo pelo fim da Violência Contra as Mulheres” e apresentou medidas adotadas pelo seu país no combate às agressões. “O governo australiano compromete-se com uma estratégia para que dentro de alguns anos acabe com a violência de gênero através de um plano nacional, investindo mais de dois bilhões de dólares para a sua regulamentação. A Austrália é membro de várias parcerias globais e esperamos trabalhar com o Brasil com iniciativas que ajudem a empoderar mulheres e meninas”, disse.
Para a embaixadora da Suécia, Karin Wallensteen, a violência dos homens contra as mulheres é um problema global e nenhuma sociedade está imune. “A violência contra as mulheres assume muitas formas diferentes: o assédio e exploração sexual para fins comerciais, o tráfico de meninas e mulheres, a violência e opressão, a mutilação genital feminina, o compromisso de noivado de crianças e a tentativa de controlar os direitos sexuais das mulheres”, argumentou. A embaixadora complementou, dizendo que a Suécia tenta abordar a violência a partir de um entendimento mais amplo. “Em 1999, nos tornamos o primeiro país do mundo a criminalizar a compra dos serviços sexuais”, estimulou.
O evento reuniu mulheres pretas, índígenas, pardas, brancas, de diversos estados e nacionalidades e teve como objetivo trazer medidas de prevenção e combate à violência, além de ampliar os espaços de debate com a sociedade. Entre as palestrantes, a mesa redonda contou ainda com a participação da representante da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), Simone Terena, da professora dra da Universidade de Brasília, Ela Wiecho, da professora Isadora Brandão, da Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da advogada da União e consultora jurídica junto ao Ministério das Mulheres, Kizzy Collares Antunes, e da mediação da jornalista Milena Teixeira.
Um debate sobre as medidas práticas e urgentes
A mesa redonda, de iniciativa da Enap e realizada em conjunto com as embaixadas da Austrália e da Suécia, contou com palestrantes de diversos setores da iniciativa pública e sociedade civil, para trazer reflexões novas e responder à pergunta: Quais são as medidas práticas e urgentes para reduzir a violência contra mulheres e meninas?
Entre as convidadas, a professora Isadora Brandão, da Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, apontou para a homogeneização de mulheres e quanto isso é importante na elaboração de políticas públicas. “Chamar atenção trazendo as interseccionalidades do sistema de opressão é lançar luz para esse dado da realidade. Nós estamos falando de um grupo social absolutamente heterogêneo. Olhar para isso pode ser um caminho proveitoso para que coalizões possam ser construídas e também agendas comuns na perspectiva do desmantelamento de uma matriz de poder que oprime todas nós”, afirmou.
A especialista disse que existem diversas políticas associadas à Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. “Estamos elaborando, a partir de um grupo de trabalho interministerial, uma metodologia para a realização do primeiro Censo populacional para o morador em situação de rua, o que vai ser importante para compreender quem são as mulheres que estão nesta situação de violência. Então teremos um perfil mais aprofundado”, revelou.
Já a advogada da União e consultora jurídica junto ao Ministério das Mulheres, Kizzy Collares Antunes, destacou ações como a retomada do Programa Mulher Viver sem Violência e a Casa da Mulher Brasileira como formas de acolher mulheres que sofrem agressões. “Firmamos apoio de cooperação técnica com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, para a construção de 40 casas em todo o país, utilizando critérios populacionais, índices de violência, entre outros”, reforçou.
A professora dra da Universidade de Brasília, Ela Wiecho, faz parte do programa de extensão Maria da Penha: Atenção e Proteção, criado em 2007 e ainda existe com atuação na cidade de Ceilândia (Brasília/DF). E trouxe uma reflexão mais profunda. “É muito comum que as mulheres agredidas retornem ao mesmo cenário de violência. São vários os fatores que levam as mulheres a permanecerem nesse ciclo, mas o Estado, na figura do Ministério Público, Defensoria, Magistratura, não podem decidir o caminho de cada uma delas porque são as próprias mulheres que irão decidir. Então, precisamos dar muita atenção e fazer uma escuta qualificada. E isso leva tempo”, disse.
Por fim, a representante da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), Simone Terena, lembrou sobre a opressão contra mulheres indígenas que existe há anos. “Há mais de 1.500 anos as mulheres indígenas sofrem com a violência. Nem sempre as leis atendem as especificidades dos nossos povos e muitas vezes não há aplicabilidade. Então, é importante dar apoio e assistência. Na região do Xingu, as mulheres e meninas precisam se deslocar de barco, depois com uma caminhonete até chegar a um município. Existe muita dificuldade para que elas possam denunciar e pedir ajuda”, relatou. Simone finalizou dizendo que é preciso mais representatividade, em todas as esferas públicas, dos povos indígenas para traçar planos de ações.
Dados da violência
No Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas, conforme dados do boletim da Rede de Observatório da Segurança. Em 2022, 1.437 mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo 61,1% delas negras.
O Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) revela ainda outros dados. Três a cada dez brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. A aferição é realizada a cada dois anos, com mulheres de todo o país e mais de 21 mil mulheres responderam a pesquisa de 2023, o que tornou o estudo o maior sobre violência doméstica já realizado apenas com mulheres.
Saiba mais
A campanha dos 21 dias de ativismo, como conhecemos no Brasil, é parte de um movimento internacional - 16 dias de ativismo - que teve início em 1991 com 23 mulheres ativistas do Instituto de Liderança Global das Mulheres. O objetivo é divulgar dados e incentivar organizações a fazerem campanhas de conscientização e de mobilização pelo fim da violência contra a mulher.
Internacionalmente, a campanha começa em 25 de novembro (Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres) e termina em 10 de dezembro, data em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, a campanha tem início em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, considerando a dupla vulnerabilidade da mulher negra e, por isso, aqui é chamada de "21 Dias de Ativismo pelo fim da Violência Contra as Mulheres".
Realizada em cerca de 150 países anualmente, a campanha tem por objetivo conscientizar a população sobre os diferentes tipos de agressão contra mulheres e propor medidas de prevenção e combate à violência, além de ampliar os espaços de debate com a sociedade.
Por Sabrina Brito