Em tempos de recursos escassos, o financiamento quadrático (quadratic funding - QF) aparece como um novo modelo de apoio e solução para investimentos em projetos. O tema foi assunto de um dos painéis do evento Futuros Radicais com Vitalik Buterin, cocriador do Ethereum, reconhecida como a segunda maior criptomoeda por capitalização de mercado. Buterin explicou do que se trata o modelo, uma campanha de financiamento coletivo que democratiza o financiamento de projetos, e como ele pode ser aplicado para o financiamento de bens públicos.
Apresentado como a maneira matematicamente ideal de financiar bens públicos em uma comunidade democrática, o financiamento quadrático pode ser usado em diversos tipos de financiamentos coletivos de projetos ou até mesmo em eleições. O segredo por trás do financiamento quadrático é a matemática, apresentada por seu criador a partir de uma ilustração de um modelo matemático: um quadrado dividido em partes proporcionais a quantidade de contribuições que serão igualadas por doadores com mais recursos financeiros.
“A ideia é tentar criar algo com estudos combinados, o melhor de dois mundos, e que pessoas possam financiar projetos por doação e votação regular em que conseguem votos e financiamentos em projetos que estão fundando”, e ainda complementou, “portanto, o objetivo do financiamento quadrático é assumir que você tem um pólo de substância e o objetivo é apenas tentar descobrir como você deve distribuir o pólo de substância aos bens públicos”.
O mecanismo atua como um termômetro social importante, ao premiar aqueles projetos que a sociedade considera relevantes. A cada contribuição, as empresas dão uma contrapartida. Os recursos são distribuídos de acordo com a quantidade de contribuidores. "Quanto mais indivíduos contribuem para um projeto, maior é a margem de lucro. Projetos que recebem doações de um público mais amplo recebem uma margem maior do que aqueles com um número de apoiadores mais concentrado", explica Buterin.
Na vida real
Buterin exemplificou o caso da GitCoin, que contou com 10 rodadas de financiamento, com aprendizados diferentes em cada uma delas. Um dos pontos centrais que ele defende é que este modelo permite que as pessoas tenham voz ao indicar a relevância de determinados projetos e da possibilidade de contar com meios alternativos para engajamento, como as mídias sociais. "Muitos projetos eram vistos pela comunidade como de valor, mas não estavam no radar de empresas", relata o criador do Ethereum.
Para Michelle Rempel, parlamentar na Câmara dos Comuns do Canadá, que também participou do evento, existem oportunidades e vantagens de se adotar o financiamento quadrático para o subsídio de bens públicos. Michelle defende que, em sua visão, o modelo de financiamento permitiu no contexto canadense a resolução de alguns problemas decorrentes também de países com modelos de organização e política similares ao Canadá. “Financiamento quadrático tem um jeito elegante e interessante de levantar ou distribuir recursos para diferentes necessidades”, afirmou.
Ela alientou ainda a oportunidade que o uso do modelo matemático oferece de escapar de regras burocráticas que muitas vezes interferem no andamento e agilidade de projetos. “Este modelo de financiamento pode ajudar a retirar grandes camadas de burocracia inerentes a processos de gastos de fundos públicos”. Michelle aponta que essa burocracia tem um “incentivo perverso”, com potencial para ineficiência do financiamento, uma vez que há uma sobrecarga administrativa e de articulação com atores quando se envolve o uso de recursos públicos para financiamento destes bens. “O financiamento quadrático tira todas as camadas restantes de burocracia, a carga e os custos administrativos, a sobrecarga dos fundos dispersivos e o torna muito mais eficiente, o que eu acho muito intrigante quando você considera a quantidade de fundos que são colocados em um sobrecarga administrativa”, afirma.
A ideia do financiamento quadrático é ter uma fórmula mais democrática do que a simples doação. Ao considerar cotas de subsídios, a meta é distribui-las para os bens públicos. @VitalikButerin#Esquenta #SemanaDelnovação@RadxChange pic.twitter.com/vU2Hcktjnj
— Enap Brasil (@EnapGovBr) July 8, 2021
A parlamentar ainda ressaltou a importância do uso eficiente dos fundos públicos oriundos do pagamento de impostos da população. “Existem maneiras melhores de fazer as coisas, só temos que ter a coragem de apresentá-las ao nosso eleitorado na perspectiva de obter dólares de impostos mais bem avaliados”, avalia. "Precisamos olhar para a equidade de uma maneira diferente. Gastar não garante um resultado. As finanças quadráticas oferecem uma alternativa para esse problema porque há um resultado diretamente ligado a qualquer tipo de gasto'', conclui.
Bom para qual público?
Ao explicar o que são os bens públicos e as funcionalidades da plataforma clr.fund, Auryn Macmillan indicou diferenças e esclareceu que o que pode ser considerado bem público para uma pessoa não necessariamente será para outra. “Bens públicos beneficiam as comunidades e não excluem ninguém de se beneficiar, ninguém pode ser significativamente proibido de se utilizar deles”, explica. "Geralmente falhamos ao tentar reconhecer que bens públicos implicam também em públicos específicos. Algumas coisas são instintivamente bens públicos para um e não para o outro. Pensando nisso, ajudei a construir um projeto chamado clr.fund, um protocolo para alocar fundos de forma eficiente usando o financiamento quadrático,” conta.
Segundo Macmillan, o modelo quadrático foi escolhido por ele pois é a fórmula matemática otimizada mais eficiente para alocar fundos para bens públicos. “O modelo criado pela Ethereum radicalmente aumenta o leque de excipientes que podem ser resolvidos por um programa de subsídio, permite descobertas e na prática criam este círculo virtual que é essencialmente mais eficiente para todos os envolvidos”. Ele destaca que, para um contribuidor individual, por exemplo, as contribuições são alocadas de forma mais eficiente.
“O resultado final são mais recursos destinados aos bens públicos e esses recursos sendo melhor alocados ao público que realmente o valoriza”, e continua. “O objetivo é não depender de entidades centralizadas. O que quer que o público almeje ser um bem público pode receber financiamento", conclui.
A filosofia por trás do financiamento quadrático
Zoe Hitzig, do departamento de economia da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, foi a última palestrante do terceiro painel. Em sua participação, explicou a ideia geral dos chamados fundos de contrapartida, o que considera como a filosofia por trás do financiamento quadrático. Além disso, apresentou algumas áreas políticas que considera adequadas para a aplicação desta fonte de ideias. ”Um fundo de contrapartida é um fundo público ou privado dedicado a igualar as contribuições individuais em alguma proporção, a fim de encorajar pequenas contribuições e dedicar fundos de uma forma que esteja mais de acordo com as preferências individuais,” explica.
Desta forma, iniciou contando a história do primeiro uso registrado de um fundo de contrapartida nos Estados Unidos, feito para construir o hospital da Pensilvânia em 1775, o primeiro hospital público nos Estados Unidos. Com este exemplo, demonstrou a força da soma de contribuições privadas utilizadas para auxiliar a gestão de bens públicos.
“O bem público pode ser muito difícil de financiar. Soluções puramente baseadas no mercado levam ao subfinanciamento. O financiamento puramente centralizado pode estar mal sintonizado com as necessidades e preferências da comunidade. Os fundos correspondentes podem ser considerados uma espécie de meio-termo, puxando os lados úteis de ambos, financiamento público e privado,” explica.
Apesar dos bons resultados alcançados pelos fundos de contrapartida, Zoe explica que eles muitas vezes podem carecer de práticas sistemáticas e defende o uso do financiamento quadrático para solucionar essas questões pendentes. “É uma forma mais sistemática de criar um fundo de contrapartida. Permite que o financiamento de bens que seja melhor, aproveita informações descentralizadas, torna o financiamento filantrópico / governamental mais eficiente, pode aparecer em várias formas: financiamento de campanha, deduções fiscais, programas de correspondência empregado-empregador e melhora os projetos de fundos correspondentes existentes,” exemplifica.
Por fim, apontou o uso do financiamento quadrático para uma reforma do financiamento de campanhas nos Estados Unidos. O uso do modelo matemático que pode tornar o processo mais democrático e incentivar cooperação e inovação já foi usado este ano nas eleições para prefeito da cidade de Nova York.
Assista às discussões completas do terceiro painel do evento Futuros Radicais: liberdade para transformar no canal do YouTube da Enap na versão original em inglês (https://www.youtube.com/watch?v=dmsjBWv6nQU ) e na versão em português.
Futuros radicais
O painel integrou o evento “Futuros Radicais: liberdade para transformar”, promovido em parceria da Enap com a RadicalxChange Foundation em 8 de julho. O evento é parte da programação prévia da Semana de Inovação 2021, que reunirá mais de 20 mil participantes entre os dias 9 e 12 de novembro deste ano.
Além de Buterin, também participaram do painel Michelle Rempel, parlamentar na Câmara dos Comuns do Canadá, Auryn Macmillan, co-fundador do clr.fund e Zoë Hitzig, Economista especialista em design de incentivos. Mediados por Juliana Domingues, Secretária Nacional do Consumidor do Ministério de Justiça e Segurança Pública, os quatro examinaram sistemas inovadores de financiamento de bens públicos com foco na infraestrutura urbana. Após as apresentações, os participantes responderam perguntas enviadas pela plateia e debateram a respeito das possibilidades criadas com o uso do modelo de financiamento.