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Modernização da gestão em relação a produção de regras pela administração pública e o uso do princípio da legalidade foi o assunto debatido no último Frontend, na quarta-feira (4/08)

Regras existem para delimitar ações e regular situações que precisam de modelos a serem seguidos. Elas podem ser formas de agir em determinados espaços e buscam criar obrigações (deveres) e permissões. Para o funcionamento da administração pública, regras são essenciais para a regulamentação de serviços que alcançam milhares de pessoas. No entanto, com as modificações da sociedade, ao passar dos anos, essas regras utilizadas no serviço público precisam ser revisadas e avaliadas.

Foi a partir dessa premissa que a professora da FGV, advogada e doutora em direito pela USP, Vera Monteiro, conversou com altos executivos sobre “Modernização e parcerias para melhoria do serviço público: é permitido tudo o que não estiver proibido”. O bate-papo com a diretora de altos estudos da Enap, Diana Coutinho aconteceu na última edição do Fronteiras e Tendências, na quarta-feira (4/08). Confira abaixo os principais tópicos discutidos.

 

Proliferação de regras no Brasil nas duas últimas décadas

Diana iniciou o debate com um dado que aponta um importante crescimento do número de regras na esfera federal no país. “Vemos um resultado muito impressionante a partir dos anos 2000 que é a proliferação de regras do tipo infralegais, regras, portarias, resoluções. Claramente hoje temos muito mais regras do que tínhamos até o início dos anos 2000”, constatou. Os dados estão disponíveis para consulta aberta no RegBR, nova plataforma desenvolvida pela Enap que quantifica todos os tipos de atos regulatórios do Brasil desde a década de 1950.

Segundo a concepção de Diana, regras deveriam existir para tornar a vida em sociedade, a atividade econômica, o país melhor, mais eficiente e mais justo. “Regra não existe por finalidade de regra, ninguém acorda e decide ‘aí quero fazer uma regra’. Por outro lado, se nós sempre temos a expectativa de que se regras existem deve ser por uma boa razão, porque o mundo sem elas deveria ser pior, [ter] muitas regras, no entanto, pode dificultar a vida do cidadão, a vida do agente econômico, a vida do gestor público”, explica a especialista em políticas públicas em gestão governamental.

Gráfico: Evolução da quantidade de normativos federais no Brasil por ano

 Crédito: Reprodução

Princípio da legalidade: o que não é proibido é permitido

Vera iniciou as discussões a partir do questionamento de algumas afirmações tomadas como verdadeiras em relação à administração pública. A doutora pela USP resgatou na história da França e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, o início da concepção do atributo jurídico da legalidade, “de que o que não é proibido pela lei é permitido”. Explicou que foi a partir desta formação de regras pelo parlamento que a ideia de liberdade provinha das leis. “A ideia do princípio da legalidade do ponto de vista do cidadão é a garantia de que não haverá nenhuma regra, nenhuma obrigação sem que haja uma lei. Então não se pode inventar coisas arbitrárias, a não ser pelo próprio parlamento. É uma maneira de restringir os abusos do governante do momento”, conta.

A administração pública é complexa, desta forma ela precisa de instrumentos que possibilitem respostas rápidas para a tomada de ações ágeis e eficazes para determinadas situações. “De alguma maneira ela não pode depender do parlamento porque, de certa maneira, depender do parlamento significa adotar uma lógica de tempo e negociação que muitas vezes não são próprias do executivo, que é o lugar específico”, explica Vera.

Margem de discricionariedade para preservar direitos e garantir agilidade

O princípio da legalidade e sua aplicabilidade na administração pública é exemplificado durante o debate no apontamento de artigos inseridos na Constituição Federal brasileira. “A nossa Constituição Federal trouxe essa regra, ninguém vai ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei, lá no artigo 5º, inciso 2, quando fala da administração pública também fala do tal do princípio da legalidade, lá no artigo 37. E temos buscado na doutrina, na jurisprudência, um sentido mais operacional desse conceito clássico, um sentido de que em alguma maneira seja capaz de dar mais liberdade ao executivo”.

Uma técnica usada pelo legislativo é permitir ao gestor público fazer uma margem de leitura e interpretação da lei em um espaço específico. "É o que a gente costuma chamar de uma margem de interpretação ou uma margem de discricionariedade'', explica a doutora. “É a própria lei tentando ainda preservar as liberdades individuais contra o exercício arbitrário do poder, e, ao mesmo tempo, permitindo que a administração pública exerça competências próprias”.

O espaço de liberdade para interpretação da lei por gestores é o que Vera aponta como a origem de órgãos controladores do poder. “Então a gente começa a ter o crescimento das áreas de controle como os tribunais de contas, as controladorias internas, a ampliação do papel judiciário, o judiciário fazendo uma leitura mais ampla daquilo que seriam as competências da administração pública. Com isso, temos um ambiente muito complexo do ponto de vista histórico em que ao mesmo tempo vamos dando esses espaços para a administração a partir de uma legislação mais aberta, da existência de campos de controle que não eram mais exclusivamente do legislativo”.

Credibilidade da administração e gestores

A advogada ainda alerta que a administração pública precisa se organizar para trazer credibilidade para a sua atuação e evitar a ideia que leva ao enfraquecimento do papel e do poder de gestores públicos. “Não podemos ter uma administração pública que não tenha a capacidade de ação. Não pode ser um mero braço mecânico do legislador. A essência da administração é criar. Significa experimentar, ter pragmatismo regulatório, significa ter algum tipo de sensibilidade para saber quais são as boas estratégias, principalmente quando falamos em regulação, é olhar para a vida e ter a sensibilidade da dinâmica”, finaliza. 

Confira abaixo os principais pontos da conversa entre Diana Coutinho e Vera Monteiro:

  • Proliferação de regras no Brasil nas duas últimas décadas
  • Princípio da legalidade: o que não é proibido é permitido
  • A história do Princípio da legalidade com base na história francesa
  • O marco legal das startups
  • Margem de discricionariedade para preservar direitos e garantir agilidade
  • O Revogação estabelecido pelo decreto 10.139/2019
  • Credibilidade da administração e gestores

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