Já ficou no passado a época em que governos e parlamentos decidiam sozinhos os rumos das sociedades. A tecnologia e os instrumentos inovadores de consulta junto à população apontam para um novo tipo de relação entre o setor público e as pessoas comuns. Hoje os palestrantes Tanja Aitamurto e Tiago Peixoto mostraram ao público da Semana de Inovação 2020 as experiências bem sucedidas e aplicadas em diversos países como Bélgica, Finlândia e Mongólia.
Aitamurto vem estudando os casos de “crowdsourcing”, em que a população passa a ser consultada sobre diversos temas. Os finlandeses recorreram a esse mecanismo para atualizar as leis de trânsito de veículos no país. Geralmente nos sistemas representativos, apenas os parlamentos tratam das mudanças da legislação. Já o “crowdsourcing” coloca grupos da sociedade nos debates. “Não é democracia direta, não é uma pesquisa de opinião. É o envolvimento do cidadão, até para ver o que está ou não correto.”
Segundo ela, o “crowdsourcing” tem valores positivos para a população: dá mais transparência na elaboração de leis, facilita a prestação de contas dos governos, aumenta a confiança no setor público e empodera o cidadão. “Além disso, é muito importante que os governos passam a usar e compartilhar o conhecimento próprio das pessoas”, assinala Aitamurto, que é pesquisadora da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
A interação do setor público com a “multidão” de pessoas é fundamental em episódios como o enfrentamento da pandemia de Covid-19 neste ano. Segunda ela, a população deu feedback sobre evolução do vírus, levou demandas aos governos para mitigar os efeitos econômicos dos lockdowns e discutiu com os gestores o momento ideal para retomada de aulas presenciais das escolas. Nesse diálogo com a população, é imperativo que governos e parlamentos estejam dispostos a escutar a sociedade.
Inteligência coletiva
Tanto Aitamurto, como Tiago Peixoto, foram muito enfáticos ao ressaltar o valor do conhecimento que o cidadão comum tem da realidade. Uma das administrações locais da Bélgica adotou em setembro de 2019 o modelo de “assembleia cidadã”. Moradores da região foram convidados a ocupar cadeiras num parlamento e discutir melhorias na gestão pública. A Irlanda fez algo semelhante, e a França criou um grupo de 15 pessoas comuns para tratar de mudanças climáticas.
“É uma forma complementar ao parlamentar. Essas assembleias cidadãs já foram adotadas em 70 países”, informou Tiago Peixoto, que é especialista sênior do setor público no Banco Mundial. “Vários estudos mostram que a inteligência coletiva de uma sociedade é proporcional a sua diversidade [de gênero, étnica, cultural]. As eleições falham, por exemplo, ao não captar essa diversidade.”
Peixoto cita um bom exemplo de assembleia popular. A Mongólia definiu que a revisão da sua Constituição passaria pelo crivo final da população. “É importante que se pergunte ao cidadão apenas o que o governo pode ou está disposto a responder”, frisou. A dúvida é: como escolher a pessoa certa e representativa da sociedade. Segundo ele, um dos mecanismos mais usados é o sorteio de pessoas. Os sorteados discutem com experts em diversos temas, com base em dados e evidências, e deliberam suas decisões.