É forte a demanda para que o gestor público pense em soluções criativas e construa soluções jurídicas inéditas, afirma Juliana Palma.

 

A gestão pública está hoje no “olho do furacão” no combate ao coronavírus não só no Brasil como no mundo. E tem o dever de planejar e executar medidas rápidas e eficientes para a contenção da pandemia. É assim que Juliana Palma, advogada, doutora em Direito (USP) e professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), resume a missão “nem um pouco fácil” da gestão pública em tempos de coronavírus. “Estamos trabalhando com vidas humanas”, ressalta.  

E o gestor público tem um papel fundamental neste combate: dos planejadores até quem está na linha de frente. “Todos são centrais”, defende Juliana. As decisões têm de ser efetivas, rápidas, transparentes e com base em evidências científicas. “Os comandos têm que ser claros. Não há tempo e não é eficaz realizar grupos de trabalho ou chamar o controlador para que se manifeste antes”, explica Juliana, citando como exemplo o caso da Anvisa, que utilizou sandboxes regulatórios para uma maior efetividade das suas ações. 

 

Para Juliana, uma das principais mudanças acontece justamente no papel deste gestor. “Se antes tínhamos a ideia de que o gestor simplesmente executa, é um braço mecânico, essa visão foi superada com a pandemia”, avalia. “É fortíssima a demanda para que o gestor público inove, para que pense em soluções criativas, faça uso de novas tecnologias e construa soluções jurídicas inéditas”, afirmou na última edição do Fronteiras e Tendências, no dia 27 de maio.  

Experimento regulatório

Na avaliação da professora de Direito da FGV, muitas das soluções que forem pensadas agora podem permanecer no pós-pandemia. “É preciso pensar em acordos para criar alívios [regulatórios] e viabilizar a inovação tecnológica”, explica. 

No debate sobre como viabilizar decisões públicas no tempo certo e com qualidade, Juliana alerta que a urgência demanda decisões rápidas e que pode haver maior propensão ao erro do que uma decisão bem concatenada e organizada em tempos sem calamidade pública. Juliana explica que não é porque estamos em um momento de urgência, de calamidade pública, que os ritos administrativos devem ser menosprezados.  

E, pensando na qualidade das decisões, existem boas práticas que conferem maior qualidade às decisões dos gestores, como sunset clauses (definir períodos de vigência de normas), a revisão de medidas a partir dos impactos concretos medidos (experimentalismo), fazer uso da economia comportamental e sempre justificar o porquê de não se cumprir uma norma específica. 

Outra prática recomendada é ter atenção sobre o momento da decisão. Isto pode ser feito pelo registro de um histórico das decisões, descrevendo em que momento e panorama foram tomadas. “A pandemia não exclui o dever de gerenciar o processo administrativo”, relembra.  

O #FronTend é um debate exclusivo para a alta liderança pública, promovida a cada semana pela Enap, sobre temas de relevância para o governo com os principais especialistas.  

Novo grau de expectativa para o gestor

Dentre os comportamentos esperados para o gestor público, a lei de calamidade pública estabelece o dever de motivar as decisões, como obter parecer técnico da Anvisa, especialmente para medidas que interfiram na liberdade de locomoção, e indicar que aquela medida corresponde ao mínimo indispensável para preservação da saúde pública.  

Além disso, as medidas devem respeitar as garantias das pessoas e ter coerência lógica com os fatos, como o direito à informação e tratamento gratuito. Outro aspecto importante é o dever de planejamento das ações no enfrentamento ao coronavírus, que ocorre de forma casuística e com embasamento científico, entendimento chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  

Segurança jurídica

As medidas editadas e os entendimentos recentes dos tribunais vão na direção de fornecer um conforto decisório para o gestor público. No caso, apontam que o gestor será responsabilizado apenas quando houver contrariedade a um consenso científico, que se configura como “erro grosseiro”, explica. 

No entendimento do STF, o erro grosseiro é aquele que “enseja a violação do direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, por inobservância de normas e critérios científicos e técnicos dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção”. E nestes casos, o ônus da prova de erro grosseiro é do controlador.  

Juliana relembra o “direito ao erro” do administrador colocado na legislação diante da pandemia e no entendimento dos tribunais, ou seja, aquele erro “honesto”, sem dolo e feito com as melhores das intenções. 

 

 

 

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