Diplomata falecido no início de julho, Sergio Rouanet foi responsável por pesquisa que estabeleceu diretrizes para a implantação da Escola no Brasil

Foto: Guilherme Gonçalves/ Arquivo ABL

 

“Um intelectual público exemplar”. Assim a Academia Brasileira de Letras (ABL) definiu o diplomata e ex-ministro da Cultura Sergio Paulo Rouanet, que faleceu no último dia 3 de julho, aos 88 anos. O que poucos sabem é que Rouanet foi o idealizador da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Entenda:

Em 1982, Sergio Paulo Rouanet recebeu a missão do então ministro das Relações Exteriores (embaixador Ramiro Saraiva Guerreiro) de fazer um trabalho de cooperação com o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). A ideia era que fossem formuladas diretrizes gerais para a implantação de uma escola para treinamento de servidores públicos, semelhante à Escola Nacional de Administração, da França (ENA), e à Academia Federal de Administração Pública, da Alemanha.

Esse trabalho de pesquisa - realizado no Brasil e no exterior - se transformou no relatório “Criação no Brasil de uma Escola Superior de Administração Pública”, que veio a ser conhecido posteriormente como Relatório Rouanet. O documento é dividido em três grandes eixos: 1) investigação de instituições de formação e treinamento já existentes no Brasil e interações com o Estado; 2) análise de modelos estrangeiros, principalmente o francês; 3) recomendações para a criação da escola de administração pública nacional. 

Uma das principais conclusões do relatório Rouanet foi que o executivo federal não tinha servidores aptos a conduzir com competência e continuidade a necessária modernização do Estado, principalmente nos cargos de altos dirigentes. 

As recomendações desse relatório serviram de base para que em 1986 fosse criada a Enap. Na concepção original, caberia à Escola a formação de quadros de alta qualificação, voltados aos escalões superiores da administração pública federal. Em seu relatório, Sergio Rouanet também defendeu a criação da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG). Seu trabalho foi fundamental para a criação da carreira de EPPGG - que ocorreu alguns anos depois, em 1989.  

Trajetória profissional

Rouanet foi um homem sedento por conhecimento. Fez graduação em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ/1955) e era pós-graduado em economia pela Universidade George Washington (1960-1964) e em ciências políticas pela Georgetown University (1960-64). Estudou ainda filosofia na New School for Social Research (1960-64) e cursou doutorado em ciência política na Universidade de São Paulo (USP/1980).  

Com apenas 20 anos de idade, em 1954, Rouanet começou no jornalismo cultural, colaborando com um artigo semanal para a coluna “Eles pensaram por nós”, que fazia parte do jornal Suplemento Literário do Jornal do Brasil. Seus textos versavam principalmente sobre Sören Kierkegaard, conhecido na filosofia como o “pai do existencialismo”, e suas preocupações com a sobrevivência e a transformação dos valores do Iluminismo na sociedade.  

Rouanet foi professor, ensaísta, filósofo, antropólogo, tradutor e deu aulas no Instituto Rio Branco. Diplomata de carreira desde 1957, ocupou cargos como embaixador na Dinamarca e cônsul-geral em Zurique. Também foi embaixador na República Tcheca e trabalhou em Berlim, onde criou o Instituto Cultural Brasileiro. Ele era membro da Academia Brasileira de Letras desde 1992, ocupante da cadeira 34 da Academia Brasileira de Filosofia e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.   

O diplomata que prezava pela boa formação do servidor público esteve ainda como titular da Secretaria de Cultura da Presidência da República, cargo equivalente ao de Ministro de Estado, entre 1991 e 1992. Enquanto ocupou o cargo de secretário de Cultura, empenhou-se na aprovação do Programa Nacional de Financiamento da Cultura (Pronac), concretizado com a edição da Lei de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/1991) - norma que ganhou o seu nome e o tornou nacionalmente conhecido. 

Chefiou as delegações brasileiras na Conferência dos Ministros de Cultura da América Latina e na Conferência Geral da Organização da Unesco, em 1991. No mesmo ano, tornou-se membro do Pen Club, uma entidade internacional que reúne seletos escritores e intelectuais. 

Legado

Sergio Paulo Rouanet deixou uma valorosa e ampla herança literária. Por suas traduções de livros de Walter Benjamin, ganhou a Medalha Goethe -uma distinção concedida anualmente, desde 1954, a pessoas que fizeram uma contribuição especial para o intercâmbio cultural internacional. Diversos artigos dele foram publicados nas revistas Tempo Brasileiro, Revista do Brasil e da Revista da USP e em publicações internacionais. 

Entre os temas da sua predileção estavam o iluminismo e a modernidade, que tinham como foco os pensadores: Walter Benjamin, Jurgen Habermas, Michel Foucault e, principalmente, "o pai da psicanálise”, Sigmund Freud. Rouanet publicou livros, entre eles os volumes de crítica literária "Riso e Melancolia" e "Os Dez Amigos de Freud"; "Mal-Estar na Modernidade", uma reflexão sobre o Iluminismo, tema no qual se especializou ao longo de sua formação acadêmica e “As ilusões de consciência: de Platão a Freud”, em que Rouanet estuda as ilusões no específico lugar em que elas brotam: a consciência.   

Rouanet passou a cumprir, durante a aposentadoria, uma intensa rotina de palestras e eventos sobre temas que sempre pautaram sua atuação pública, como a política e a cultura. Ele deixou esposa (a socióloga e professora emérita da Universidade de Brasília, Barbara Freitag) três filhos, cinco netos e um instituto - cuja missão é preservar e ampliar seu legado.  

Por suas inestimáveis contribuições para a Cultura nacional e, em particular, para a Gestão Pública brasileira, a Enap registra o agradecimento de seus servidores e de todos os milhares de alunos que passaram por suas cadeiras, que um dia foram visão desse grande brasileiro.

Fontes:

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/sergio-paulo-rouanet

https://artepensamento.ims.com.br/autor/sergio-paulo-rouanet/

https://exame.com/brasil/morre-sergio-paulo-rouanet-que-deu-nome-a-lei-de-incentivo-a-cultura/

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/07/03/morre-no-rio-sergio-paulo-rouanet-diplomata-que-da-nome-a-lei-que-beneficia-a-cultura.ghtml

https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/664/1/Os%20Especialistas%20em%20Pol%C3%ADticas%20P%C3%BAblicas%20e%20Gest%C3%A3o%20Governamental%20-%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20de%20sua%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20para%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%20e%20trajet%C3%B3ria%20profissional.pdf

https://www.vvale.com.br/cultura/sergio-paulo-rouanet-batizou-uma-lei-fundamental-e-ensinou-brasil-a-pensar/

https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/190/195

https://blogdoims.com.br/dia-de-domingo-entrevista-inedita-com-reynaldo-jardim/

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/morre-sergio-paulo-rouanet-diplomata-e-criador-da-lei-de-incentivo-a-cultura/

https://institutorouanet.org/ 

http://anesp.org.br/rouanet 

http://anesp.org.br/todas-as-noticias/morre-rouanet-idealizador-da-carreira-de-eppgg-e-da-enap 

 https://www.youtube.com/watch?v=zgkAWNeXJwo&t=1323s 

https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/529 

https://www.youtube.com/watch?v=st_EDGEaPUQ 

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