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Codiretora de Educação Executiva da Universidade Nacional de Singapura, Cheryl Chung participou da 4ª edição do FronTend

 

cheryl chungComo planejar cenários e ter uma visão estratégica focada no futuro? Na opinião da codiretora de Educação Executiva da Universidade Nacional de Singapura, Cheryl Chung, a adoção do pensamento futurista pode ser um importante instrumento na elaboração de políticas públicas. Em sua participação na quarta edição do Fronteiras e Tendências deste ano, realizada no último dia 7, Cheryl falou sobre sua experiência em Singapura e ressaltou a importância do planejamento de cenários e da antecipação de desafios do governo.

Em sua conversa sobre Futures Thinking (estudo de futuros) no setor público com a diretora de Inovação da Enap, Bruna Santos, a pesquisadora de Singapura afirma que o fato de estarmos em um momento em que o presente é incerto — em razão da pandemia da Covid-19 e seus efeitos — pensar o futuro se torna mais importante. “É importante planejar cenários para que possamos nos recuperar em um futuro que queremos. E não herdar um futuro que possa não ser tão bom para nós”, disse.

No entanto, ela alerta que nem todos os problemas são resolvidos pelo pensamento futurista. Confira abaixo os principais pontos da conversa entre Cheryl Chung e Bruna Santos.

 

 

Como o estudo de futuros pode ajudar o setor público a se antecipar aos desafios? 

Bruna Santos: Como a metodologia e estruturas relacionadas a pensamento futuro e planejamento de cenários podem ajudar o setor público a antecipar desafios, principalmente em um pós mundo pós-covid? 

Cheryl Chung:  Passamos muito tempo pensando sobre eficiência e automação. Como ser mais eficiente? Como usar os recursos de forma melhor? Esses são objetivos extremamente importantes no setor público. No entanto, às vezes, precisamos lembrar que resiliência é também importante. Assim, temos de nos perguntar: no que estávamos errados em nossas previsões, em nossos planos? Sou capaz de questionar nossas suposições sobre o futuro, olhar para diferentes tendências, pensar em como isso pode nos impactar? Como múltiplas alternativas no futuro podem se reproduzir? Acredito que isso é fundamental para trabalhar o futuro, ainda mais no setor público. Trabalhar com múltiplas partes interessadas [stakeholder] que podem ter objetivos concorrentes. Em todo esse contexto, future thinking (estudo de futuros) se torna bem útil. 

Sobre a pandemia, acho que há duas formas de pensar sobre como o futuro pode ser relevante. A primeira, é preventiva. Futures thinking nos ajudou a prever ou a estar mais preparados para a pandemia? Em alguns casos, sim. Em Singapura, tivemos a epidemia de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em 2003. Estávamos familiarizados com a ideia de uma pandemia de gripe, então estava em nosso rol de imaginação. 

A segunda forma é pensar sobre o futuro do trabalho, muito do jeito usual de fazer as coisas podem não caber mais no futuro. Podemos usar este momento para reimaginar o que a nossa recuperação pós pandemia vai parecer. Para que possamos nos recuperar em um futuro que queremos e não herdar um futuro que possa não ser tão bom para nós. 

 

O que Singapura tem feito para capacitar agentes públicos

Bruna Santos: Quão importante é treinar agentes sobre futures thinking e planejamento de cenário no setor público? Como Singapura está fazendo isso? Quais os principais focos da escola no treinamento dessas competências? Todo líder do setor público deveria ser um futurista? 

Cheryl Chung: No contexto de Singapura, somos uma pequena cidade-estado, é bem comum para a maioria das pessoas ter alguma exposição para o trabalho do futuro como parte de suas carreiras, enquanto ainda são jovens. Quando se tornam seniores, se tornam fortes defensores dessa ideia de investir em uma capacidade que, para eles, para melhores decisões de longo prazo, é de grande resiliência. Dessa perspectiva, acho que é importante que todo oficial público tenha alguma experiência sobre [estudos de] futuro. Mas não acredito que todo governo deva ser futurista. 

Os futuristas são melhores em avaliar problemas a longo prazo, problemas de natureza complexa. Muito do trabalho do governo também é processual, é também um procedimento operacional de suporte sobre as melhores práticas, e assim por diante. Então, na verdade, não precisa de tantos futuristas. 

Sobre a perspectiva da universidade de Singapura, focamos na parte de previsão estratégica, na gestão e qualidade das decisões para poder tomar decisões melhores no futuro. Pensamos em dois aspectos das políticas públicas: o primeiro é como será a inteligência estratégica para o futuro. Entendendo tendências, entendendo sinais, tentando descobrir como eles podem nos afetar, e assim por diante. O segundo é estar toda a equipe sintonizada.É preciso que as pessoas tenham o mesmo pensamento. Você pode dizer ao seu chefe que todas essas tendências estão chegando, mas se ele não mudar de ideia, na verdade, sua organização não está preparada.

Em uma escola de políticas públicas, onde fazemos trabalhos futuros, tentamos combinar as ferramentas. Porque acreditamos que tomar boas decisões de longo prazo é um poder da boa governança. Ser bons administradores e bons ancestrais para a próxima geração também é uma grande parte de nossa responsabilidade, não apenas como funcionários públicos, mas também como cidadãos. Temos uma responsabilidade com a próxima geração.

Bruna Santos: Quais são as boas práticas para ter o pensamento do futuro como uma cultura mais geral do governo?

Cheryl Chung: Você pode ter a melhor estratégia, mas se não tiver uma cultura para te apoiar pode ser muito desafiador. Trabalho futurista no aspecto cultural envolve como nós trabalhamos juntos para tomar melhores decisões para o futuro. Em Singapura, focamos muito em ter projetos governamentais gerais que envolvem todo o governo, com diferentes ministérios trabalhando juntos para resolver problemas. Isso funciona bem para assuntos grandes e complexos. 

Bruna Santos: Qual é a diferença entre Singapura e outros países que aplicam o pensamento futurista? Quais são os elementos que fazem com que Singapura seja mais avançada em relação a outros países em termos de pensamento futuro e planejamento de cenário?

Cheryl Chung: Temos algumas características únicas. Passamos por muitas mudanças em um período de tempo muito curto e muito rapidamente. O próprio país é muito jovem, tem apenas 60 anos de existência. Temos a consciência que soberania e independência não vem tão naturalmente para países pequenos. Estamos acostumados ao fato de que mudanças podem ocorrer rapidamente e podem ser perturbadoras. Mas sabemos que, além de apresentar muitos riscos, até riscos existenciais, essas mudanças também podem abrir oportunidades.

Singapura tem um sistema de funções burocráticas para um sistema de previsão futuro, isso está dentro do serviço público e não é uma função política. Isso é interessante porque em outros países esta geralmente é uma função política.

É um governo que tem uma governança de elite. Existe um setor de futuro estratégico que está dentro do escritório do Primeiro Ministro que, em grande medida, é um centro de excelência e tem todos os especialistas pensando nisso. Temos feito um trabalho diferente em conjunto com as Filipinas, com a “The Philippine Futures Thinking Society”. O trabalho futurista que eles iniciaram envolve a construção da conscientização, engajamento de baixo para cima. 

A chave para o sucesso é a forte liderança, não importa como você começa no trabalho futurista. É preciso um salto de fé para investir e pensar sobre as coisas que podem não acontecer. Você está se preparando para uma coisa que você não quer que aconteça. Já que não quer que aconteça então se prepara para a defesa. Como podemos, de forma disciplinada, destinar algum investimento para coisas que podem não acontecer? 

Uma das nossas responsabilidades como governo é investir em prol da sociedade porque o setor privado não será capaz de fazer isso e nem a sociedade civil. Essa é apenas uma das formas de fazer o trabalho voltado para o futuro e nós temos feito assim há um longo tempo, mas existem muitas outras formas de fazer.

 

O futuro da força de trabalho no governo

Bruna Santos:  Que sinais ou pistas você vê sobre o futuro da força de trabalho no governo?

Cheryl Chung:  Acho que há uma questão real sobre o uso da automação e da inteligência artificial no serviço público. Isso vai impactar não apenas na forma como se vai trabalhar, mas também no serviço público que será entregue.

Uma outra parte é a influência de como a governança em si funciona, como os cidadãos interagem com a gente, o que eles esperam, a forma que as decisões são tomadas. Se esse espaço for tomado por algoritmos, qual será, então, o papel da regulamentação? 

Penso que o governo tem diferentes personas. Regularmente penso sobre o governo como sendo pelo menos seis pessoas quando se trata do futuro da tecnologia. Uma persona é o usuário da tecnologia, você usa tecnologia para executar o seu trabalho de entrega do serviço público. Há formas de tornar o serviço digital, essa é uma forma. Há um outro papel do governo, um papel de marketing, de promoção. Para muitas cidades, existe a agenda das cidades inteligentes e não é apenas para o serviço público, mas também porque estão tentando promover a cidade, talvez trazer negócios ou desenvolvimento econômico, com objetivos sociais diferentes que fazem da cidade mais atrativa e dinâmica. 

Você também pode pensar na tecnologia mudando a natureza do crime, por exemplo, uma nova classe de cibersegurança. Crimes cibernéticos não existiam há 20 anos. Você também pode pensar no papel do Estado como sendo protetor dos cidadãos e da sociedade. Há inúmeras personas diferentes que o governo pode assumir. Acho que o futuro do trabalho é ser capaz de trocar as suas lentes. Sinto que a governança, não apenas o governo, no futuro vai mudar. Estamos focados nas tarefas, nos negócios do governo, e não no sistema operacional que cobre tudo. Temos que pensar um pouco mais sobre isto.

 

A inteligência estratégica coletiva a favor do futuro

Bruna Santos: Como explorar a inteligência coletiva para entender o que é o futuro? 

Cheryl Chung:  Acho que a previsão participativa como um subcampo é bastante interessante. Países e governos diferentes fazem de formas um pouco diferentes. Posso citar algumas formas no contexto de Singapura. A primeira é na questão de com quem você fala e onde você tem sinais do futuro que não estão igualmente distribuídos. Onde você os encontra? Se você está falando apenas com outra agência do governo ou colegas, as chances são de que você tenha uma boa ideia de onde os futuros estão igualmente distribuídos.

Um jeito de trazer inteligência estratégica é ter uma boa rede de network, ampla e internacional. Os aspectos do network são muito importantes porque essa é uma fonte de inteligência estratégica. Outro ponto importante é entender e estabelecer prioridades para as tendências. Explorar as que serão importantes no futuro e onde as tensões ou incertezas podem estar. Nós falamos bastante do que o pós-covid vai ser, mas, a maioria das discussões estão focadas no crescimento econômico, na recuperação do PIB. Não se fala do custo social, do custo emocional da pandemia e como isso parece em escala social. Esses questionamentos também são responsabilidade do governo. 

Alguns países fazem uso de uma perspectiva comunicacional. Em Dubai, por exemplo, eles construíram um museu para o futuro e fizeram muitas exibições que fazem parte da cúpula do governo. A ideia é fazer um mostruário de como o serviço público pode parecer para a maioria das pessoas no futuro, e não apenas escrever tendências de políticas. Há muitas técnicas. Diferentes cidades fazem coisas diferentes em vários graus de sucesso. 

Na escola estamos começando a pensar: como democratizar o futuro para os jovens? Porque quando eles começarem a trabalhar já vai ser tarde. Começamos a trabalhar com estudantes para que eles comecem a pensar sobre o trabalho do futuro e dar a eles algumas ferramentas para que possam entender seu próprio lugar no futuro. Na escola isto tem sido uma das prioridades.

 

Futurismo: por onde começar

Bruna Santos: Para aqueles que querem mergulhar nas teorias sobre o pensamento futurista e planejamento de cenário, quais são os livros, as referências, os sites que você sugere como recomendação? O que você está lendo?

Cheryl Chung: A questão que melhor indica se você gosta ou não do trabalho é o que você anda lendo. Se a resposta é nada, então esse trabalho, o trabalho de futurista, não é pra você. Porque é sobre consumir muita informação e ser curioso sobre o mundo e direcionar essa curiosidade para a leitura.. 

É preciso ler profundamente e criticamente. Ler em vários idiomas sobre o mesmo assunto vai te dar um insight diferente sobre o que as pessoas estão falando, diferentes visões do mundo e a forma de ser reflexivo sobre isso também é interessante. A outra maneira de pensar sobre isso é ler múltiplos livros, de vários autores, sobre o mesmo assunto. É preciso ser crítico para refletir sobre as diferenças e como essas diferenças podem delinear o futuro. 

Recomendo recomendo um trabalho da OCDE chamado “Strategic foresight for better policies” (Prospectiva estratégica para melhores políticas). Traz visões de diversos governos e diferentes fatores de sucesso para o trabalho de previsão. 

Há um livro publicado recentemente chamado “How to future”, de Scott Smith e Madeline Ashby. Se é a sua primeira vez no assunto, sobre como pensar nesse trabalho do futuro, eles são mais práticos então levam você por um processo de pensar como um futurista. Não é focado em política pública, mas acho muito interessante. 

Leia sobre história, se você entender melhor a história você também terá um grande entendimento do futuro. Porque vai ter um entendimento melhor de como as coisas são do jeito que parecem, e se desdobram de maneiras diferentes. O futuro é a mesma coisa. Dizemos que a história é escrita pelos vencedores, no futuro é a mesma coisa, também é escrita pelos ganhadores. Mas no papel das políticas públicas nós precisamos ser bem sensíveis para a pergunta: quem são os vencedores e perdedores da mudança? Quem são aqueles que vão ganhar ou perder no futuro? Porque é uma responsabilidade para todos eles. Esse é um papel particular e fardo e privilégio. Pensem sobre a história do que você está lendo.

Recomendo também um podcast chamado “The secret history of the future” (A história secreta do futuro), produzido pela revista Slate e pelo jornal The Economist. Eles fizeram algumas temporadas sobre diferentes tecnologias, eles olham para uma tecnologia na história e depois projetam na tecnologia similar no futuro. A ideia é que há alguns insights desse período de transição que podem formar como nós pensamos as novas tecnologias. Não só as tecnologias em si, mas em como elas são usadas na sociedade, como os humanos interagem com elas.

Como uma última sugestão de livro, indico “A field guide to getting lost”, de Rebecca Solnit.  É um guia sobre se perguntar, explorar e se perder. Os futuros podem ser um pouco assim, na alegria de se perder, e na natureza exploratória do trabalho e, às vezes, temos que ter paciência, não temos sempre as respostas, mas estamos descobrindo e tudo bem com isso. 

 

Como desenvolver uma cultura de estudos de futuros

Bruna Santos: Como desenvolver uma cultura de future thinking? Quais são as vantagens para a mudança cultural, para a transformação da cultura? 

Cheryl Chung: Colocamos a culpa de tudo na cultura, como se ela fosse um nome ou uma forma. Para a cultura há muitas formas de lidar com isso, mas a realidade é que a mudança acontece mais efetivamente através de hábitos e consistência. As minhas chances de chegar aos objetivos é fazer pequenas coisas durante muito tempo, talvez coisas que eu não queira fazer. 

Nas organizações é importante construir relacionamentos, que, para mim, é o segundo ponto. Após o hábito e a rotina, pra mim, o segundo ponto é com quem você vai trabalhar junto para construir o futuro? Existem pessoas na organização que você confia e quais são as interações que nós podemos desenvolver. Todos os nossos projetos de futuro tivemos a sorte de ter colaboradores/ parceiros não apenas no nosso ministério mas também fora, no setor privado. 

O terceiro ponto é como podemos mutuamente amplificar os projetos uns dos outros. Dizemos que se um tomador de decisão adota a nossa ideia, e pensa que é a própria ideia deles, então nosso trabalho está feito. Se eles começarem a adotar a linguagem que usamos para falar sobre o futuro, as metáforas etc, nosso trabalho estará feito pelo menos de alguma forma porque há um compartilhamento de informação, um vocabulário comum, um modo operacional que está sendo construído, isso é muito útil para a mudança. 

*As respostas foram editadas com finalidade de dar fluidez ao texto. A íntegra das respostas pode ser conferida na entrevista em vídeo.

 

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