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Bell Vilanova

“Não dá para falar de história do Brasil sem falar da história de cozinheiras negras.” Com essa frase, a autora Taís de Sant’Anna Machado resume seu livro, fruto de uma tese de doutorado, apresentado no evento Leitura Mediada, na última segunda-feira (27), na Biblioteca da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

A obra “Um pé na cozinha: uma análise sócio-histórica do trabalho de cozinheiras negras no Brasil” analisa o trabalho culinário feminino como ferramenta de entendimento da sociedade brasileira e traz uma investigação dos processos de profissionalização dessas mulheres na cozinha doméstica do pós-Abolição até a gastronomia contemporânea.

Servidora no Ministério da Igualdade Racial (MIR), Taís de Sant’Anna Machado ressaltou a importância de poder apresentar seu trabalho no âmbito da administração pública. “É uma alegria poder ver a Enap se abrir para o meu trabalho, poder servir ao Estado, a partir de uma coisa que faz muito sentido para mim, e ver um retorno tão grande para a população negra no Brasil.”

Parte do projeto Biblioteca do Futuro (BdF), a leitura foi mediada pela antropóloga e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental Ana Julieta Teodoro Cleaver. Para a antropóloga, a obra retrata uma prática do Estado brasileiro de confinamento das mulheres negras no lugar de servir. “Esse lugar de servir, que é associado à cozinha, você [a autora] também subverte, colocando a cozinha como um lugar de construção de produção de pensamento crítico e de construção aquilombada de outro Estado possível, de uma outra realidade possível e, como você diz no último capítulo, ‘a conversa sempre esteve na cozinha’.” 
 
Também marcaram presença no evento, que era aberto ao público, as diretoras da Enap Camila Medeiros, de Inovação (GNOVA), e Iara Alves, de Educação Executiva (DEX).

O livro 

A leitura de trechos pela própria autora da obra foi entrelaçada com a apresentação de elementos que embasam a pesquisa acadêmica da tese de doutorado da qual o livro é resultado.

“Nós [população negra] fomos roubados da nossa história. A história que se conta na escola é extremamente enviesada. Boa parte das vezes inclusive pejorativa para a população negra, é uma história mentirosa”, afirmou a autora.

Taís de Sant’Anna Machado utilizou arquivos históricos e fotográficos para ilustrar e mapear a trajetória de mulheres negras que retrataram de alguma forma a cozinheira construída no imaginário coletivo brasileiro, como o estereótipo da personagem “Tia Nastácia”.

“A imagem da mãe preta cozinheira nada mais é que uma estratégia de sujeitos brancos no pós-abolição que, além de esconderem seu lugar num tecido social de origem escravista e como se beneficiam dele, tentam ocultar a história de trabalhadoras negras que são extraordinárias principalmente porque sobrevieram a uma brutalidade que ainda não se pode ser apreendida, que ainda não acabou, e que se pode dizer que ainda estamos sobrevivendo”, diz um trecho do livro lido no evento e escrito por Taís.

Como contraponto, a autora apresenta histórias revolucionárias de enfrentamento dessa realidade que acabaram ofuscadas por esse estereótipo, como a da sindicalista Dona Laudelina, que chegou a representar o então chamado “Sindicato das Empregadas Domésticas de Campinas” em uma comitiva que visitou Brasília em 1965 para uma reunião com o ministro do Trabalho da época. “Evidentemente, ela não conseguiu os direitos que ela veio brigar para todas as trabalhadoras domésticas terem, mas ela estava lá.”

A autora defende, ainda, que o mecanismo da “boa aparência” é tido como uma das “diversas tecnologias do racismo antinegritude no Brasil”. “A negritude e a feminilidade, combinadas, foram definidas como atributos de inaptidão para o exercício de tarefas menos degradantes ou mais bem remuneradas no pós-abolição e durante o século XX, mantendo mulheres confinadas ao trabalho doméstico e a outros trabalhos pouco valorizados e miseravelmente pagos”, conclui, em outro trecho do livro, Taís de Sant’Anna Machado.

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