Imagine uma secretaria de estado brasileira que está fazendo um edital para comprar lâmpada fluorescente. Debatem muito e compram. Percebem então que havia uma série de lâmpadas velhas. O que fazer com elas? Fizeram outro edital para contratar alguém para tomar conta das lâmpadas antigas.
Este é um exemplo de como funciona a economia linear, um modelo caracterizado pela extração de recursos naturais, produção de bens e descarte de rejeitos, sem expectativa de retorno ou reciclagem.
Fundadora da Exchange 4 Change Brasil, Beatriz Luz foi uma das palestrantes da Semana de Inovação 2022. A organização tem como objetivo impulsionar a transição para a economia circular no Brasil através da cocriação e adaptação de soluções globais à realidade brasileira.
A palestrante falou sobre o papel do gestor público na transição para a economia circular no Brasil. “O primeiro entendimento necessário é que a economia circular não vem para solucionar problemas que estamos tendo de poluição e lixo. Vamos parar de tentar limpar a água com a torneira aberta. Temos que fechar a torneira. Temos que pensar um novo modelo econômico, modificar o sistema para evitar este tipo de problema”, afirmou.
Beatriz Luz trouxe os cinco objetivos da economia circular segundo a Ellen MacArthur Foundation, que trabalha com empresas, governos e academia para construir uma economia que seja regenerativa e restaurativa desde o princípio. A fundação estabelece cinco objetivos da economia circular:
1. Estimular o design para incorporar a economia circular. Isso significa redesenhar o produto para que ele não gere resíduo ou para que o resíduo seja modular (que permita a fabricação de novos produtos).
2. Gerenciar recursos para preservar o valor e mantê-lo por mais tempo. Um exemplo seria criar incentivos para a indústria usar matéria-prima secundária ou matéria-prima reciclada.
3. Criar as condições econômicas, via políticas públicas e criação de instrumentos financeiros, para acelerar a transição econômica.
4. Investir em inovação, infraestrutura e competências.
5. Colaborar para a mudança do sistema. O ponto de partida é criar uma visão comum, estabelecer metas, ter estratégia para o roteiro de economia circular.
“Temos que olhar as variáveis e intervenções públicas possíveis. Visão, engajamento, um trabalho de gestão urbana, incentivo econômico e regulamentação” afirmou Luz. Ela avalia que é preciso trabalhar junto com setor privado; que as pequenas e médias empresas devem criar campanhas de conscientização e capacitação. O planejamento urbano, por sua vez, deve ser pensado de acordo com esta nova economia. “Se colocarmos bicicleta compartilhada, patinete, carro elétrico, temos que fazer o planejamento urbano de acordo com isso, fazendo o gerenciamento de ativos”, afirmou.
O papel do gestor público é essencial para criar esta nova direção. “Os formuladores de políticas públicas podem criar um novo campo de atuação em que as decisões de economia circular sejam a norma, não a exceção”, afirmou.
As fronteiras de análise estão sendo expandidas, segundo a palestrante. Ela conta que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações concluiu estudos para economia circular. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avança no desenvolvimento da nova norma ISO de economia circular, já tendo recentemente lançado plano de como trazer esses conceitos para a indústria. Ela cita como exemplo a elaboração de fichas técnicas a serem entregues ao governo federal, com indicação de requisitos de sustentabilidade a serem incorporados pelo gestor público em processos de compras governamentais. E nos documentos da COP 26 a economia circular é citada como uma das quatro áreas prioritárias para atingir a agenda de baixo carbono.
Voltando às lâmpadas
A economia circular preconiza que o descarte não é o fim de um produto ao término do consumo, mas o começo para a fabricação de novos produtos. “Um fabricante na Holanda, por exemplo, ao invés de fabricar lâmpadas, passou a vender serviços de iluminação. Aproximou-se dos clientes e perceberam que, à medida das manutenções, o sistema de encaixe das lâmpadas não era tão bom. E mudaram o processo para dar mais eficiência ao sistema como um todo. “É uma forma também de acabar com a obsolescência programada”, afirmou.